Santa Teresa D’Ávila, mestra da oração e doutora da Igreja, utiliza de forma brilhante o exemplo da chuva para representar a oração puramente mística. Para aquele que teve todo o trabalho de cuidar, aprimorar e purificar o jardim da alma, buscando água no poço por meio da oração de meditação ou preparando os canais de irrigação pelas orações de transição entre natural e sobrenatural, Deus finalmente envia a água do Espírito Santo, agora sem esforço algum.
Quando, no entanto, se fala em oração mística ou contemplação, geralmente a imaginação corre para compor coisas espetaculares: levitações, transes, raios de luzes ou visões de anjos à volta daquele que reza. Esses fenômenos, raros e pontuais, são manifestações extrínsecas da vida de oração, ou seja, são acréscimos que podem ou não ocorrer. Mais do que isso, são fenômenos que normalmente não ocorrem e, se ocorrem, em nada acrescentam à presença de Deus ou à vida de santidade da pessoa.
É a água que cai do céu – não é o trovão, o espetáculo dos raios nem o barulho do vento – que refresca, sacia e dá vida à terra. Do mesmo modo, é o contato íntimo com Deus e não as locuções interiores, as visões intelectuais ou os fenômenos externos ou extrínsecos que santificam aquele que contempla.
Santa Teresinha vivia em estreita intimidade com Deus
Com a finalidade de se trazer um exemplo concreto desses primeiros graus de contemplação mística de que tratamos no artigo anterior, utilizaremos aqui o exemplo de outra Teresa: Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, a doutora do Amor. Uma santa de uma profundidade excepcional, mas, aparentemente, sem os fenômenos místicos exteriores.
De fato, somente após a sua morte e a divulgação de seus escritos, percebeu-se que, embaixo de uma aparência comum, escondia-se uma perfeita esposa de Cristo, experiente em viver unida a Ele em estreita intimidade. Ao confrontar seus escritos com a de sua fundadora, Santa Teresa D’Ávila, temos como que um espelho onde aquilo que é proposto pela “Teresona” é colocado em prática pela Teresinha.
A título de exemplo, confira a devoção de Santa Teresinha pela Sagrada Face de Cristo e o conselho de Santa Teresa, no “Caminho de Perfeição” (26,9), sobre manter-se sempre à mão uma imagem de Nosso Senhor. Ou, no mesmo livro, o capítulo 15 que tem como subtítulo “Que trata do grande bem que há em não desculpar-se, ainda que se vejam condenar sem culpa” e a narrativa de Santa Teresinha sobre o vaso quebrado atrás da janela no “Manuscrito A” (74v) de “História de uma Alma”.
Por último, não é possível deixar de citar a estreita relação existente entre a “Pequena Via” de Santa Teresinha e a “segunda via” ou o modo de se cruzar as quintas moradas de Santa Teresa em seu “Castelo Interior”. Novamente um paralelo não entre mestra e discípula, mas entre doutora e doutora, duas gigantes da vida espiritual mostrando o verdadeiro caminho, verdade e vida: Cristo.
Outro fato relevante que diz muito da extensão da vida interior de Santa Teresinha é sua confissão de que, entre os 17 e 18 anos, não tinha outro alimento espiritual além dos livros de São João da Cruz, o doutor místico (História de uma Alma, Man A, 83f). Suas mais de 80 citações de São João da Cruz em seus escritos alertam para a profundidade dessa convivência.
Colocada as bases sólidas de sua espiritualidade e a sua profunda dimensão interior, como Santa Teresinha pode nos ajudar a entender as orações místicas?
A Pequena Via e a vida de oração
Dentre as diversas explicações sobre a contemplação mística que vimos anteriormente, relembro aqui trechos que falam sobre “uma claridade confusa”, uma “amorosa comunicação infusa de Deus que, juntamente, vai ilustrando e enamorando a alma” e “uma visão simples, livre, penetrante e certa de Deus ou das coisas divinas que procede do amor e tende ao amor”!
Como corresponder a tal comunicação amorosa? Como vivê-la na prática? Santa Teresinha nos dá algumas dicas concretas. Afinal, se a contemplação é um influxo divino sobre o ser humano, como correspondê-la? Como não a negar? Em suma, como auxiliar Deus nesse processo de santificação em vez de opor-Lhe resistência?
Em primeiro lugar, entendendo que se Deus começa a unir a vontade, a inteligência e a memória, é para dignificá-las e não corrompê-las. A confiança absoluta em Deus é, portanto, o primeiro traço de quem se aventura pela contemplação. Ou, nas palavras de Santa Teresinha, “a esperança cega que tenho em sua misericórdia” (Obras Completas de Santa Teresinha, Carta 197). Uma observância que, mesmo em meio aos sofrimentos, nada pode superar ou diminuir a alegria de saber-se nas mãos de Deus.
Revestir-se de alegria no abandono
Esse júbilo deve ser vivido mesmo quando a oração mística parece nos afastar de Deus em vez de nos aproximar: “Se nada mais tiver além de puro sofrimento, se o céu estiver tão escuro que eu não veja nenhum espaço claro, pois bem! Faço disso minha alegria…” (Obras…, Caderno Amarelo, 27 de maio, 6), ou quando a alma percebe que não tem mais possibilidade de se elevar sozinha, que em tudo depende da ação de Deus.
Esse caminho da oração mística através das “noites” narradas por São João da Cruz precisa, em segundo lugar, revestir-se de alegria no abandono: “O passarinho quer voar para esse Sol brilhante (…), porém, não está em sua mínima capacidade! O que será dele? Morrer de tristeza por se ver tão impotente?… Oh não! O passarinho nem vai ficar aflito. Com audaz abandono, quer ficar fitando seu divino Sol; nada poderá assustá-lo (…), pois sabe que além das nuvens, seu Sol continua brilhando, que seu brilho não poderá eclipsar-se” (Obras…, Manuscrito B, 5f).
Da escola de São João da Cruz ela aprendeu que “Obtém-se de Deus tanto quanto se espera d’Ele” (Noite Escura II, 21) e, por isso, aprende a esperar tudo. Mesmo contra todas as evidências exteriores e todos os sentimentos interiores, a contemplação deve ser vivida em confiança que se traduz em alegria e gera o abandono.
No entanto, nesse caminho incerto, feito na escuridão, alguns cuidados sempre são necessários. Santa Teresinha alerta que, nesse percurso de união, deve-se sempre estar atento para não buscar a si mesmo, fazendo sua própria vontade (Obras…, Caderno Amarelo, 25 de julho, 13), nem a própria satisfação (idem, 20 de julho, 1).
Sempre insistir na prática das pequenas virtudes (Obras…, Manuscrito A, 74v) e consumir-se em atos de amor. Afinal, o que seria mais próprio para o caminho de união mística? O que mais necessário? Nas palavras de São João da Cruz, “O mínimo movimento de puro amor é mais útil à Igreja do que todas as outras obras reunidas” (Cântico Espiritual, XXIX). Santa Teresinha a repetiu em suas obras e cartas em diversos lugares e na sua vida intensa e constantemente.
A humildade santifica
Há ainda a necessidade de citar a vivência da humildade. Sem ela não há espaço para a santificação, Teresinha bem o sabia. Em sua “Oração para conseguir a humildade”, de julho de 1897, abre seu coração e diz: “Senhor, conheceis minha fraqueza: a cada manhã, tomo a resolução de praticar a humildade, e de noite reconheço que ainda cometi muitos pecados de orgulho; diante disso, sou tentada a desanimar, porém – eu sei – o desânimo também é orgulho” (Obras…, Oração 20). O que fazer então? Ela sabe que a única forma de crescimento na humildade é ser humilhado. Por isso, na mesma oração, pede corajosamente: “Suplico-vos, meu Divino Jesus, que me envieis uma humilhação cada vez que eu tente elevar-me acima das outras”.
Por último, aprendemos com a doutora de Lisieux uma importante distinção sobre esse percurso de união com Deus dos primeiros graus de oração mística: união não é unidade. Nesta primeira fase da vida mística, a conformativa, estreita-se a união para que a última fase, a transformativa, possa ser vivida em unidade.
Segundo Santa Teresinha, do mesmo modo que se resignar ou aceitar a vontade de Deus não é realmente fazer a Sua vontade, união não é unidade. “Na união, continuamos a ser dois; na unidade, somos apenas um” (Obras… Caderno Amarelo, 23 de julho, 5).
Para viver esse período de união, buscando a verdadeira unidade, Santa Teresinha reflete sobre a citação do Cântico dos Cânticos (1,3): “O que significa então pedir para ser atraído, senão unir-se de maneira íntima ao objeto que cativa o coração? (…) peço a Jesus que me atraia nas chamas do seu amor, que me una tão estreitamente a Si, que seja Ele quem viva e aja em mim” (Obras…, Manuscrito C, 35v-36f).
No próximo artigo, examinaremos de perto esse momento de íntima unidade estudando os últimos graus da oração mística ou contemplação.
Canção Nova