“A alegria do Evangelho, a pertença ao povo, o serviço generativo”, estas são as três indicações do Papa aos sacerdotes para “reavivar o dom recebido”, tema do Convênio Internacional para a Formação Permanente dos Sacerdotes, promovido pelo Dicastério para o Clero, em colaboração com os Dicastérios para a Evangelização e para as Igrejas Orientais.
Em seu discurso na Sala Paulo VI na manhã desta quinta-feira, 8, aos cerca de mil participantes do encontro, entre sacerdotes, bispos e leigos, Francisco começou agradecendo pela presença daqueles que vieram de longe – “Para muitos de vós, não foi fácil vir a Roma!” – aos promotores e organizadores, “mas sobretudo pelo que fazeis nas vossas dioceses e nos vossos países, pelo serviço que realizais”.
Esses dias do encontro – recordou o Papa – oferecem a oportunidade para a partilha das boas iniciativas, para “dialogar sobre desafios e problemas e perscrutar os horizontes futuros da formação sacerdotal nesta mudança de época, sempre olhando em frente e prontos a lançar novamente as redes obedecendo à Palavra do Senhor”:
Trata-se de caminhar em busca de instrumentos e linguagens que ajudem a formação sacerdotal, não pensando que temos na mão todas as respostas – eu tenho medo daqueles que têm em mãos todas as respostas -, mas confiando que poderemos encontrá-las ao longo do caminho.
O Papa exortou os sacerdotes à escuta recíproca, deixando-se assim inspirar pelo convite que o apóstolo Paulo dirige a Timóteo e que é o título do encontro: «Reaviva o dom de Deus que está em ti» (2 Tm 1, 6):
Reavivar o dom, redescobrir a unção, reacender o fogo, para que não se apague o zelo do ministério apostólico.
E para reavivar o dom recebido, o Santo Padre oferece aos sacerdotes três indicações para o caminho a ser percorrido: a alegria do Evangelho, a pertença ao povo, o serviço generativo.
O dom da amizade com o Senhor está no centro da vida cristã, recordou Francisco, pois este “nos liberta da tristeza do individualismo e do risco duma vida sem significado, sem amor, nem esperança”, e a alegria do Evangelho é precisamente esta: “somos amados por Deus com ternura e misericórdia. E este anúncio jubiloso, somos chamados a fazê-lo ressoar no mundo testemunhando-o com a vida, para que todos possam descobrir a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo, morto e ressuscitado”:
Só se formos e permanecermos discípulos é que podemos nos tornar ministros de Deus e missionários do seu Reino. Só acolhendo e conservando a alegria do Evangelho é que podemos levar esta alegria aos outros. Assim, ao realizar a formação permanente, não esqueçamos que somos sempre discípulos em caminho, representando isto, em cada momento, a coisa mais bela que, por graça, nos aconteceu.
A graça – recordou o Santo Padre – pressupõe sempre a natureza, e por isso temos necessidade duma formação humana integral:
De fato, o ser discípulo do Senhor não é um revestimento religioso, mas um estilo de vida e por conseguinte requer o cuidado da nossa humanidade. O contrário disso é o padre “mundano”. Quando a mundanidade entra no coração do padre, arruína tudo. Peço-vos para investir o melhor das vossas energias e recursos neste aspeto: o cuidado da formação humana. E também o cuidado para viver humanamente (…). Há necessidade de sacerdotes plenamente humanos, que brinquem com as crianças e que acariciem os velhos, capazes de boas relações, maduros para enfrentar os desafios do ministério, para que a consolação do Evangelho chegue ao povo de Deus através da sua humanidade transformada pelo Espírito de Jesus. Nunca esqueçamos a força humanizadora do Evangelho. Um sacerdote amargo, um sacerdote que tem amargura no coração, é um “solteirão”.
O Papa chega então à segunda senda a percorrer: a pertença ao povo de Deus, pedindo que “o padre esteja sempre junto com o povo a que pertence, mas junto também com o bispo e o presbitério. Não transcuremos nunca a fraternidade sacerdotal”:
Só juntos é que podemos ser discípulos missionários. Só podemos viver bem o ministério sacerdotal imersos no povo sacerdotal, do qual também nós procedemos. Esta pertença ao povo – nunca nos sintamos separados do caminho do santo povo fiel de Deus – salvaguarda-nos, apoia-nos nas canseiras, acompanha-nos nos anseios pastorais e preserva-nos do risco de nos desligarmos da realidade e sentirmos omnipotentes. Tenhamos cuidado, porque esta é também a raiz de toda a forma de abuso.
Para permanecermos imersos na história real do povo, é preciso que a formação sacerdotal possa valer-se da contribuição do povo de Deus: de sacerdotes e fiéis leigos, de homens e mulheres, de pessoas celibatárias e casais, de velhos e jovens, sem esquecer os pobres e os atribulados que têm tanto a ensinar:
De fato, na Igreja, existe uma reciprocidade e circularidade entre os estados de vida, as vocações, entre os ministérios e os carismas. E isto requer de nós a sabedoria humilde de aprender a caminhar juntos, fazendo da sinodalidade um estilo da vida cristã e da própria vida sacerdotal. Aos sacerdotes é pedido, sobretudo hoje, o empenho de fazer «exercícios de sinodalidade». Lembremo-nos sempre disto: caminhar juntos.
Por fim, o terceiro ponto: o serviço generativo, ou seja, “servir é o distintivo dos ministros de Cristo, como “mostrou o Mestre durante toda a sua vida e, de modo particular, na Última Ceia, quando lavou os pés dos discípulos”:
Na perspetiva do serviço, a formação não é uma operação extrínseca, a transmissão de um ensinamento, mas torna-se a arte de colocar o outro no centro, fazendo sobressair a sua beleza, o bem que traz consigo, evidenciando os seus dons e também as suas sombras, as suas feridas e os seus desejos. Deste modo formar sacerdotes significa servi-los, servir a sua vida, encorajá-los no seu percurso, ajudá-los no discernimento, acompanhá-los nas dificuldades e apoiá-los nos desafios pastorais.
O padre, assim formado – observou – coloca-se por sua vez ao serviço do povo de Deus, é solidário com a gente e, como fez Jesus na cruz, ocupa-se de todos:
Fixemos, irmãos e irmãs, esta cátedra – a Cruz. A partir dela o Senhor, amando-nos até ao fim gerou um povo novo. E também nós, quando nos colocamos ao serviço dos outros, quando nos tornamos pais e mães para aqueles que nos foram confiados, geramos a vida de Deus. Este é o segredo duma pastoral generativa: não uma pastoral em que aparecemos nós no centro, mas uma pastoral que gera filhas e filhos para a vida nova em Cristo, que leva a água viva do Evangelho ao terreno do coração humano e do tempo presente.
No final, o Papa insistiu com os sacerdotes para não se cansarem de ser misericordiosos:
Perdoem sempre. Quando as pessoas vem se confessar, elas vêm para pedir perdão e não para ouvir uma lição de teologia ou de penitências. Sejam misericordiosos, por favor. Perdoem sempre, porque o perdão tem essa graça do carinho, do acolhimento. O perdão é sempre regenera por dentro.
Ao concluir, Francisco recorda que Nossa Senhora “dá uma coisa a nós sacerdotes”:
A graça da ternura. Aquela ternura que se vê também nas pessoas em dificuldade, nos idosos, nos doentes, nas crianças que são muito pequenas… Peçam esta graça e não tenham medo de serem ternos. A ternura é forte.
Vatican News
Uma Igreja que não sente a paixão pelo crescimento espiritual, que não tenta falar de uma forma que seja compreensível para os homens e mulheres de seu tempo, que não se entristece com a divisão entre os cristãos, que não treme com o anseio de proclamar Cristo aos povos, é uma Igreja doente. Esses são os sintomas de uma Igreja doente.
Em seu discurso à Assembleia Plenária do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, cujos participantes foram recebidos pelo Papa na manhã desta quinta-feira, 8 de fevereiro, na Sala Clementina, no Vaticano, Francisco usou palavras contundentes para enfatizar que “sem reforma litúrgica não há reforma da Igreja”. O Pontífice recordou o 60º aniversário da Sacrosanctum Concilium, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, elaborada durante o Concílio Vaticano II com o objetivo de “fazer com que a vida cristã dos fiéis cresça cada vez mais a cada dia”, adaptando “as instituições sujeitas a mudanças” às necessidades dos tempos, favorecendo tudo o que pudesse “contribuir para a união de todos os crentes em Cristo” e revigorando tudo o que pudesse ajudar “a chamar todos para o seio da Igreja”. Na prática, explicou o Papa, “um profundo trabalho de renovação espiritual, pastoral, ecumênica e missionária”.
Quando se fala em “reformar a Igreja”, sempre se está diante de uma “questão de fidelidade esponsal”, esclareceu Francisco, acrescentando que “a Igreja Esposa será sempre mais bela quanto mais amar Cristo Esposo, a ponto de pertencer totalmente a Ele, a ponto de se conformar plenamente a Ele”. A esse respeito, o Pontífice se deteve sobre as ministerialidades da mulher.
A Igreja é mulher e a Igreja é mãe, e a Igreja é a figura de Maria e a Igreja-mulher, figura de Maria, é mais do que Pedro, ou seja, é outra coisa. Não se pode reduzir tudo à ministerialidade. A mulher em si mesma tem um símbolo muito grande na Igreja como mulher, sem reduzi-la à ministerialidade. É por isso que eu disse que toda instância de reforma da Igreja é sempre uma questão de fidelidade esponsal, porque há uma mulher.
Como os Padres conciliares, que abordaram o tema da liturgia, “o lugar por excelência onde encontrar o Cristo vivo”, exortando a formação dos fiéis e promovendo ações pastorais, o Papa também insistiu na necessidade da “formação litúrgica” e ressaltou a importância que ela tem para todos.
Não se trata de uma especialização para alguns especialistas, mas de uma disposição interior de todo o povo de Deus. Isso, é claro, não exclui que haja uma prioridade na formação daqueles que, em virtude do sacramento da Ordem, são chamados a ser mistagogos, ou seja, a tomar os fiéis pela mão e acompanhá-los no conhecimento dos santos mistérios.
Para Francisco, é essencial que “os pastores saibam conduzir o povo ao bom pasto da celebração litúrgica, onde o anúncio de Cristo morto e ressuscitado se torna uma experiência concreta de sua presença transformadora da vida”, e por isso pede que, “no espírito de colaboração sinodal entre os Dicastérios esperada na Praedicate Evangelium“, a formação litúrgica dos ministros ordenados seja “tratada também com o Dicastério para a Cultura e a Educação, com o Dicastério para o Clero e com o Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica”, de modo que cada um possa oferecer “a própria contribuição específica”. Isto porque, sendo a liturgia “o ápice para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte da qual brota toda a sua energia”, como se lê na Sacrosanctum Concilium, então é necessário “que a formação dos ministros ordenados tenha também, cada vez mais, um cunho litúrgico-sapiencial, tanto no currículo dos estudos teológicos quanto na experiência de vida dos seminários”.
Mas também é necessário pensar em “novos caminhos de formação” para o povo de Deus, exortou o Santo Padre, e isso a partir das assembléias que se reúnem aos domingos, “o dia do Senhor”, “nas festas do ano litúrgico”, que são “a primeira oportunidade concreta de formação litúrgica”, e depois novamente nas “festas patronais ou nos Sacramentos da iniciação cristã”, ocasiões “nas quais as pessoas participam mais das celebrações” e que, se “preparadas com cuidado pastoral”, permitem que as pessoas “redescubram e aprofundem o significado de celebrar hoje o mistério da salvação”.
Por fim, Francisco destacou a grande tarefa que cabe ao Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, “trabalhar para que o povo de Deus cresça na consciência e na alegria de encontrar o Senhor celebrando os santos mistérios e, encontrando-o, tenha vida em seu nome”, e agradeceu o empenho dos que ali trabalham.
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