Nesta sexta-feira (03/11), o Papa Francisco presidiu, na Basílica de São Pedro, a missa em sufrágio do Papa Bento XVI e dos Cardeais e Bispos falecidos no último ano.
Francisco compartilhou com os fiéis duas palavras sugeridas pelo Evangelho: compaixão e humildade.
Compaixão. Jesus está prestes a entrar em Naim e vê uma multidão saindo para sepultar o filho único de uma mãe que ficara viúva. O Evangelho diz: «Vendo-a, o Senhor compadeceu-se dela». Jesus a vê e se enche de compaixão.
Bento XVI, que hoje recordamos juntamente com os Cardeais e Bispos falecidos durante o ano transcorrido, escreveu em sua primeira Encíclica que o programa de Jesus é «um coração que vê». Quantas vezes nos recordou que a fé não é, primariamente, uma ideia a ser compreendida nem uma moral a ser abraçada, mas o encontro com uma Pessoa: Jesus Cristo. O coração d’Ele bate forte por nós, o seu olhar condói-se à vista do nosso sofrimento.
Como mostra o Evangelho, Jesus se detém diante da angústia por aquela morte. Sente “compaixão por uma mãe viúva que, ao ficar sem o único filho, perdeu a razão de viver. Assim é o nosso Deus, cuja divindade resplandece no contato com as nossas misérias, porque o seu coração é compassivo”.
“A compaixão de Jesus tem uma caraterística: é concreta. Diz o Evangelho que Ele se aproxima e toca no caixão. Tocar no caixão de um morto era inútil; além disso, naquele tempo, era considerado um gesto impuro, que contaminava quem o fazia. Mas Jesus não presta atenção a isso, a sua compaixão elimina distâncias e o leva a aproximar-se. É o estilo de Deus, feito de proximidade, compaixão e ternura; e de poucas palavras”, disse ainda o Papa.
A compaixão do Senhor “chega ao ponto de reanimar aquele filho jovem. E Jesus o faz de um modo diferente dos outros milagres, ou seja, sem pedir sequer à mãe que tenha fé”. “Por que um prodígio assim extraordinário e tão raro?”, perguntou o Papa. “Porque aqui estão envolvidos o órfão e a viúva, que a Bíblia indica, junto com o estrangeiro, como as pessoas mais sós e abandonadas, que não podem confiar em mais ninguém senão em Deus. Por isso, são as pessoas mais íntimas e queridas do Senhor. Não podemos ser íntimos e queridos de Deus, ignorando aqueles que gozam da sua proteção e predileção e que hão de nos acolher no Céu”, sublinhou.
A seguir, o Papa refletiu sobre a segunda palavra: humildade. “O órfão e a viúva são realmente os humildes por excelência, aqueles que, colocando toda a esperança no Senhor e não em si mesmos, transferiram o centro da sua vida para Deus: contam, não sobre as suas próprias forças, mas sobre o Senhor que cuida deles. Irmãos e irmãs, esta é a humildade cristã. Não se trata de uma virtude entre outras, mas da predisposição basilar da vida: crer-se necessitado de Deus e dar-lhe espaço, depositando n’Ele toda a confiança”, disse o Pontífice.
De acordo com Francisco, “Deus ama a humildade, porque lhe permite interagir conosco. Mais, Deus ama a humildade, porque Ele mesmo é humilde. Desce até nós, abaixa-se; não se impõe, deixa espaço. Deus não só é humilde, mas é humildade. «Vós sois humildade»: rezava São Francisco de Assis. Pensemos no Pai, cujo nome é inteiramente uma referência ao Filho e não a si mesmo; e ao Filho, cujo nome é inteiramente relativo ao Pai. Deus ama aqueles que se descentralizam, isto é, os humildes: estes assemelham-se a Ele mais do que todos os outros. Por isso mesmo, como diz Jesus, «o que se humilha será exaltado»”.
Gosto de recordar as palavras com que se apresentou, no início, o Papa Bento XVI: «humilde trabalhador na vinha do Senhor». Sim, os cristãos, sobretudo o Papa, os Cardeais, os Bispos, são chamados a ser humildes trabalhadores: a servir, não a ser servidos; a pensar menos nos próprios frutos e mais nos frutos da vinha do Senhor. E como é maravilhoso renunciar a si mesmo pela Igreja de Jesus!
O Papa convidou a todos a pedirem “a Deus um olhar compassivo e um coração humilde. Não nos cansemos de o pedir, porque é pela senda da compaixão e da humildade que o Senhor nos dá a sua vida, que vence a morte”. “Rezemos pelos nossos queridos irmãos defuntos. O seu coração foi pastoral, compassivo e humilde, porque o sentido da sua vida foi o Senhor. N’Ele, encontrem a paz eterna! Rejubilem com Maria, que o Senhor exaltou olhando para a sua humildade”, concluiu Francisco.
Vatican NEws
Salvatore Cernuzio – Vatican News
Hoje, pensando nos mortos, pedimos ao Senhor a paz para que as pessoas não se matem mais nas guerras. Muitos inocentes mortos, muitos soldados que ali perdem a vida. Isso porque as guerras são sempre uma derrota. Sempre.
Francisco levou um buquê de flores brancas, depois uniu as mãos em oração e apoiou o queixo nelas, enquanto, sentado numa cadeira de rodas, se dirigiu rumo ao gramado onde estão as 426 lápides do Cemitério de Guerra de Roma, cemitério que preserva os restos mortais dos militares da Comunidade dos caídos. Este espaço verde criado pelo arquiteto Louis de Soissons após a II Guerra Mundial localizado no bairro Testaccio de Roma, pouco conhecido aos romanos, mas bem visível, Francisco escolheu este ano para celebrar a missa de 2 de novembro, na Comemoração de todos os Fiéis Defuntos.
Uma tradição realizada várias vezes nesses mais de dez anos de pontificado, com celebrações no Cemitério Laurentino, no Cemitério Militar Francês, no Verano, no Prima Porta e no Cemitério Americano em Nettuno. Lugares de memória, de história, de dor que, nestes tempos dilacerados por conflitos, lembram à humanidade qual é a principal consequência da guerra: a morte. De todos, dos vencedores e dos vencidos. “Sem consciência”.
“As guerras são sempre uma derrota. Sempre…”, disse o Papa na breve homilia, proferida espontaneamente, repetindo o que já tinha dito nos últimos Angelus desde a eclosão da violência no Oriente Médio.
Muitos jovens e idosos na guerra do mundo, até mesmo perto de nós na Europa. Quantas mortes! Destrói-se a vida, sem consciência disso. Não há vitória total, não. Sim, um vence o outro, mas por trás disso está a derrota do preço pago.
O Pontífice chegou ao Cemitério de Guerra de Roma quase meia hora mais cedo. Primeiro ele cumprimentou, na entrada, o grupo de fiéis que já estava ali há algumas horas, apesar da chuva torrencial da manhã. Depois, sob o mausoléu, apertou a mão dos funcionários da Comissão de Túmulos de Guerra da Comunidade (Cwgc), que cuida da manutenção e gestão do cemitério. Em seguida, o habitual passeio entre os túmulos dos caídos em guerra. Francisco olhava, tentando ler os nomes escritos no mármore. Nomes de diferentes nacionalidades, incluindo militares, soldados e até alguns aviadores que morreram como prisioneiros de guerra em Roma. Nomes ladeados pelo brasão da entidade militar à qual pertenciam, por alguns lemas e sobretudo pelas datas que indicam a idade, ainda que muito jovem, dos falecidos.
Olhei a idade desses caídos, a maioria entre 20 e 30 anos. Vidas ceifadas. E pensei nos pais, nas mães que recebem aquela carta: Senhora, tenho a honra de lhe dizer que tem um filho herói. Sim, herói, mas tiraram ele de mim. Tantas lágrimas nestas vidas interrompidas.
Entretanto, das Muralhas Aurelianas que fazem fronteira com o cemitério, um rápido raio de sol estende-se por alguns momentos e abre caminho através das nuvens cinzentas. A chuva voltou a cair forte assim que terminou a homilia e espalhou o cheiro de grama molhada. A terra faz afundar as cadeiras colocadas em frente ao altar, montado sob uma tenda branca exatamente em frente à Pedra da Memória, ou seja, uma grande cruz de pedra.
Cerca de 300 pessoas estiveram presentes, entre sacerdotes, familiares, idosos, militares, autoridades, incluindo o prefeito de Roma, Roberto Gualtieri. Eles abrem os guarda-chuvas e vestem as capas. Não aplaudem a chegada do Papa, nem comentam nem dizem nenhuma palavra. Mantêm o silêncio que permeia toda a celebração, interrompido apenas pelo choro de uma menina e pelo barulho de uma furadeira nas obras das estradas ali próximas.
Esta celebração, disse o Papa no início de sua reflexão, “nos traz dois pensamentos: memória e esperança”. A “memória daqueles que nos precederam, que fizeram suas vidas, que terminaram suas vidas”. Memória de “tantas pessoas que nos fizeram bem, familiares, amigos, memória também daqueles que não fizeram tanto bem, mas que na misericórdia de Deus foram acolhidos, a grande misericórdia do Senhor”.
Depois a esperança, repetiu o Papa: “Esta é uma memória para olhar em frente, para olhar o nosso caminho, a nossa estrada”.
Caminhamos para um encontro com o Senhor. Devemos pedir a graça da esperança… A esperança de todos os dias que nos leva adiante, nos ajuda a resolver os problemas.
Francisco olhou para os acontecimentos atuais, para este mundo ferido pelas guerras. Como no passado, ele dirigiu o seu pensamento às famílias de quem morre no campo de batalha. “Tantas lágrimas nestas vidas interrompidas”, repetiu. Depois exortou os presentes a invocar a paz de Deus e a rezar pelos “nossos defuntos”, de hoje e de ontem, “por todos”.
Que o Senhor receba a todos. E que o Senhor também tenha piedade de nós e nos dê esperança para seguir em frente e encontrá-los todos juntos quando Ele nos chamar. Que assim seja.
No final da liturgia marcada por cantos e orações, pelo sol e pela chuva, ouve a oração do Descanso Eterno. Depois, acompanhado de aplausos e gritos de “Viva o Papa” por trás dos portões, Francisco lentamente se dirigiu em direção à saída, com a cabeça voltada para baixo. Deu um último olhar nas lápides de mármore que contêm uma vida inteira. Uma vida “ceifada”.
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