Silvonei José – Vatican News
O texto publicado neste dia 06 de outubro pela LEV reúne dois discursos de Jorge Mario Bergoglio publicados em momentos e ocasiões diferentes: um artigo que remonta a 1991, originalmente intitulado Corrupción y pecado (Corrupção e pecado), depois republicado em 2005, quando Bergoglio era arcebispo de Buenos Aires; em segundo lugar, a Carta aos sacerdotes da diocese de Roma, publicada em 5 de agosto de 2023.
Como o próprio Papa Francisco escreve na introdução (inédita) que abre o volume, a intenção de querer dar esse texto à imprensa é motivada por uma razão precisa: “a preocupação, que sinto ser um forte apelo de Deus a toda a Igreja, para permanecer vigilante e lutar, com a força da oração, para não ceder à mundanidade espiritual”.
Na introdução, Francisco destaca que a fé cristã é uma luta, uma batalha interior para vencer a tentação do fechamento em nosso ego e permitir que sejamos habitados pelo amor de um Pai que deseja nossa felicidade. É uma bela luta porque, – afirma o Papa – quando deixamos o Senhor vencer, nosso coração exulta de plenitude e nossa existência é iluminada por um raio de infinito.
A luta pela qual combatemos – continua o Papa -, como seguidores de Jesus é, antes de tudo, contra o mundanismo espiritual, que é o paganismo disfarçado com vestes eclesiásticas. Por mais que esteja disfarçado com uma aparência de sagrado, é uma atitude que acaba sendo idólatra, pois não reconhece a presença de Deus como Senhor e libertador de nossas vidas e da história do mundo. Ao mesmo tempo, deixa-nos à mercê de nossos caprichos e desejos.
Portanto, precisamos combater. Mas a nossa luta não é vã ou sem esperança, porque essa luta já tem um vencedor: Jesus, aquele que derrotou em sua morte a força do pecado. E, com sua ressurreição, ele nos deu a possibilidade de nos tornarmos novas pessoas.
É claro – continua o Santo Padre -, que a vitória de Jesus tem um nome, a cruz, que, à primeira vista, causa repulsa e nos afasta. Mas ela é o sinal de um amor ilimitado, humilde e tenaz. Jesus nos amou até uma morte tão ignominiosa como a da cruz, para que não pudéssemos mais duvidar de que seus braços permanecem abertos até mesmo para o último dos pecadores. E esse amor eterno desafia e orienta os caminhos do cristão e da própria Igreja. A cruz de Jesus se torna o critério para toda escolha de fé.
O beato Pierre Claverie, bispo de Oran, disse isso em uma de suas homilias com palavras muito bonitas, que quero citar aqui: “acredito que a Igreja morre se não está suficientemente próxima da cruz de seu Senhor. Por mais paradoxal que possa parecer, a força, a vitalidade, a esperança e a fecundidade cristã da Igreja vêm dali. Não de outro lugar. Tudo o mais não passa de fumaça nos olhos, ilusão mundana. A Igreja engana a si mesma e engana o mundo quando se apresenta como um poder entre os poderes, ou como uma organização, até mesmo humanitária, ou como um movimento evangélico capaz de fazer espetáculo. Ela pode até brilhar, mas não pode queimar com o fogo do amor de Deus, ‘forte como a morte’ – diz o Cântico dos Cânticos”.
Precisamente por esse motivo, – destaca ainda Francisco – quis reunir neste pequeno volume dois textos publicados em épocas diferentes: um, escrito em 1991 e republicado em 2005, quando eu era arcebispo de Buenos Aires, dedicado à corrupção e ao pecado; o outro, uma Carta aos sacerdotes de Roma. O que os une? A preocupação, que sinto ser um forte apelo de Deus a toda a Igreja, para que permaneça vigilante e lute, com a força da oração, para não ceder à mundanidade espiritual”.
Essa luta tem um nome: chama-se santidade. A santidade não é um estado de bem-aventurança alcançado de uma vez por todas, mas sim o desejo incessante e incansável de permanecermos apegados à cruz de Jesus, permitindo que sejamos moldados pela lógica que vem da doação e resistindo àqueles que, como o inimigo, nos lisonjeiam, instilando em nós a convicção de nossa autossuficiência. Em vez disso, nos fará bem lembrar o que Jesus nos disse: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15:5). A santidade é, portanto, permanecer aberto ao “mais” que Deus pede de nós e que se manifesta em nossa adesão à vida cotidiana. O padre Alfred Delp escreveu: “Deus nos abraça com a realidade”. Portanto, é a nossa vida cotidiana o lugar onde dar espaço ao Senhor que nos salva da nossa autossuficiência e que nos pede aquele “magis” de que fala Santo Inácio de Loyola: aquele “mais” que nos leva a uma felicidade que não é efêmera, mas plena e serena.