Bianca Fraccalvieri – Vatican News
Antes de se despedir da Mongólia, o Papa cumpriu o seu último compromisso oficial: a inauguração da “Casa da Misericórdia”. Trata-se de uma estrutura inédita, pois, pela primeira vez, foi realizada por iniciativa da própria Prefeitura Apostólica de Ulan Bator, com a ajuda da direção nacional das Pontifícias Obras Missionárias da Austrália.
O prédio, que foi reformado, antigamente acolhia uma escola católica, situada no bairro de Bayangol, na parte central da cidade. O local vai acolher temporaneamente pessoas em situação de vulnerabilidade, como migrantes e sem-teto. Dotado inclusive de uma clínica, profissionais e voluntários vão atuar em contrato com estruturas de saúde, com a polícia local e com assistentes sociais.
Francisco foi acolhido com música e com a saudação do diretor da Casa, o salesiano Pe. Andrew Tran Le Phuong. Ouviu o testemunho de uma mulher portadora de deficiência e de uma religiosa voluntária e assistiu a um espetáculo de canto protagonizado por jovens. Então, o Pontífice pronunciou o seu discurso, recordando que a dimensão caritativa está na base da identidade da Igreja: “Onde há acolhimento, hospitalidade e abertura ao outro, respira-se o bom odor de Cristo”.
O Papa manifestou sua admiração e gratidão por todos os benfeitores e envolvidos e elogiou o nome escolhido: Casa da Misericórdia.
“No binómio ‘casa’ e ‘misericórdia’, temos a definição da Igreja, chamada a ser morada acolhedora onde todos podem experimentar um amor superior, que toca e comove o coração: o amor terno e providente do Pai, que nos quer irmãos e irmãs na sua casa.”
O ponto central do discurso do Pontífice foi dedicado a um aspecto da caridade: o voluntariado.
“Este modo de servir parece uma aposta perdedora, mas, quando apostamos, descobre-se que aquilo que se dá sem esperar retribuição não é desperdiçado; pelo contrário, torna-se uma grande riqueza para quem oferece tempo e energias.”
Francisco recordou ainda que o verdadeiro progresso das nações não se mede pela riqueza econômica e menos ainda pelo valor investido na força ilusória dos armamentos, mas pela capacidade de prover à saúde, à educação e ao crescimento integral do povo. E o voluntariado é um modo de prover a essas necessidades.
O Papa quis dissipar alguns “mitos” em relação a esta prática, começando com a crença de que só os ricos são voluntários.
“A realidade aponta para o contrário: não é preciso ser rico para fazer bem; aliás, são quase sempre as pessoas comuns que dedicam tempo, conhecimentos e coração para cuidar dos outros.”
Um segundo mito é de que a Igreja Católica o faz por proselitismo, como se cuidar do outro fosse uma forma de convencer visando atrair “para o seu lado”.
“Não é isso! Os cristãos identificam a pessoa necessitada e fazem todo o possível por aliviar as suas tribulações, porque nela veem Jesus, o Filho de Deus, e Nele a dignidade de cada pessoa, chamada a ser filho ou filha de Deus.”
Por fim, o terceiro mito a dissipar é de que só os meios econômicos contam, como se a única forma de cuidar do outro fosse o recurso a pessoal assalariado e o investimento em grandes estruturas.
“Claro que a caridade exige profissionalismo, mas as iniciativas de beneficência não devem tornar-se empresas, mas conservar o frescor de obras de caridade. (…) Comprometer-se apenas por remuneração não é verdadeiro amor; só o amor vence o egoísmo e faz avançar o mundo.”
O Papa conclui citando um episódio ligado a Santa Teresa de Calcutá. Uma vez um jornalista, vendo-a curvada sobre a ferida mal odorante de um paciente, disse-lhe: “O que faz é belíssimo, mas eu pessoalmente não o faria nem por um milhão de dólares”. Madre Teresa sorriu e respondeu: “Por um milhão de dólares eu também não! Faço-o por amor de Deus!”
“Rezo para que este estilo de gratuidade seja a mais-valia da Casa da Misericórdia”, foram os votos finais de Francisco
Como lembrança deste momento, Francisco ofereceu à estrutura um quadro com a imagem de Nossa Senhora com o Menino, inspirada no célebre ícone de Nossa Senhora da Ternura, realizada no âmbito da moderna produção artesanal libanesa.
Mariangela Jaguraba – Vatican News
O Papa Francisco celebrou a missa na “Steppe Arena”, neste domingo (03/09), em Ulan Bator, no âmbito de sua viagem apostólica internacional à Mongólia. Participaram da missa mais de duas mil pessoas, dentre as quais peregrinos das Filipinas, Vietnã e Camarões.
Francisco iniciou sua homilia, citando o Salmo 63 que diz: «Ó Deus, (…) a minha alma tem sede de Ti, todo o meu ser anela por Ti, como terra árida, exausta, sem água». A seguir, recordou que Jesus “nos mostra o caminho para ficarmos saciados: é o caminho do amor, que Ele percorreu até o fim, até à cruz”. Depois, o Papa se deteve em dois aspectos: a sede que nos habita e o amor que sacia a nossa sede.
“Primeiramente, somos chamados a reconhecer a sede que nos habita“, disse o Papa, recordando que “o salmista grita para Deus a sua secura, porque a sua vida se assemelha a um deserto. As suas palavras têm uma ressonância particular numa terra como a Mongólia: um território imenso, rico de história e cultura, mas caraterizado também pela aridez da estepe e do deserto”. “Muitos de vocês estão habituados ao encanto e à fadiga de caminhar. Com efeito, todos somos «nômades de Deus», peregrinos à procura da felicidade, viandantes sedentos de amor”, disse o Pontífice, acrescentando:
Assim o deserto evocado pelo salmista refere-se à nossa vida: somos aquela terra árida que tem sede de água límpida, água que mata a sede em profundidade; é o nosso coração que deseja descobrir o segredo da verdadeira alegria, aquela que nos pode acompanhar e sustentar mesmo no meio da aridez existencial.
A seguir, Francisco passou ao segundo aspecto: o amor que sacia a nossa sede. Segundo o Pontífice, “este é o conteúdo da fé cristã: Deus, que é amor, no seu Filho Jesus, fez-se próximo de ti, deseja partilhar a tua vida, as tuas fadigas, os teus sonhos, a tua sede de felicidade. É verdade que, às vezes, nos sentimos como terra deserta, árida e sem água, mas é igualmente verdade que Deus cuida de nós e nos oferece a água límpida e refrescante, a água viva do Espírito que, brotando em nós, nos renova, libertando-nos do perigo da secura. Esta água nos é dada por Jesus”.
Recordando as palavras de Santo Agostinho, «Deus teve misericórdia de nós e abriu-nos um caminho no deserto: nosso Senhor Jesus Cristo. E proporcionou-nos uma consolação no deserto: os pregadores da sua Palavra», o Papa disse:
Estas palavras, queridos amigos, recordam a vossa história: nos desertos da vida e nas limitações por serdes uma comunidade pequena, o Senhor não vos deixa faltar a água da sua Palavra, especialmente através dos pregadores e missionários que, ungidos pelo Espírito Santo, a semeiam em toda a sua beleza. E a Palavra sempre nos remete para o essencial da fé: deixar-se amar por Deus para fazer da nossa vida uma oferta de amor. Porque só o amor sacia verdadeiramente a nossa sede.
“Se pensamos que o sucesso, o poder, as coisas materiais são suficientes para saciar a sede de nossas vidas, esta é uma mentalidade mundana, que não leva a nada de bom, pelo contrário nos deixa mais áridos do que antes”, sublinhou Francisco.
Irmãos, irmãs, o melhor caminho de todos é este: abraçar a cruz de Cristo. No coração do cristianismo, temos esta notícia impressionante e extraordinária: quando perdes a tua vida, quando a ofereces generosamente, quando a pões em risco comprometendo-a no amor, quando fazes dela um dom gratuito para os outros, então a vida volta para ti em abundância, derrama dentro de ti uma alegria que não passa, uma paz do coração, uma força interior que te sustenta.
“Esta é a verdade que Jesus nos convida a descobrir, que Jesus quer desvendar a todos vós, nesta terra da Mongólia: para ser feliz, não serve ser grande, rico ou poderoso. Só o amor nos sacia o coração, só o amor cura as nossas feridas, só o amor nos dá a verdadeira alegria. Este é o caminho que Jesus nos ensinou e abriu para nós. Com a graça de Cristo e do Espírito Santo, poderemos trilhar o caminho do amor”, concluiu.
No final da missa celebrada em Ulan Bator, o Papa Francisco saudou os presentes, dizendo que partiu “para esta peregrinação animado de grande esperança, no desejo de os encontrar e conhecer”.
Obrigado, por serdes bons cristãos e honestos cidadãos! Ide em frente, com mansidão e sem medo, sentindo a proximidade e o encorajamento de toda a Igreja, e sobretudo o olhar terno do Senhor que não se esquece de ninguém e olha com amor para cada um dos seus filhos.
A seguir, o Papa saudou os bispos, os sacerdotes, os consagrados e consagradas, e todas as pessoas de várias regiões do imenso continente asiático que foram à Mongólia. Expressou particular reconhecimento a quantos ajudam a Igreja local, apoiando-a espiritual e materialmente. Agradeceu ao presidente e às autoridades pelo acolhimento e cordialidade, bem como por todos os preparativos realizados.
A seguir, saudou de coração os irmãos e irmãs de outras confissões cristãs e religiões: “Continuemos a crescer juntos na fraternidade, como sementes de paz num mundo tristemente funestado por demasiadas guerras e conflitos.”
Francisco agradeceu também a todos aqueles que trabalharam para tornar frutuosa e possível esta viagem, e a quantos a prepararam com a oração.
A palavra «obrigado», na língua mongol, deriva do verbo «regozijar-se». “O meu obrigado corresponde a esta bela intuição da língua local, pois é cheio de alegria”, disse Francisco, acrescentando: “É um obrigado grande a vós, povo mongol, pelo dom da amizade que recebi nestes dias, pela vossa capacidade genuína de apreciar até os aspectos mais simples da vida, de preservar sabiamente as relações e as tradições, de cultivar com cuidado e solicitude a vida do dia-a-dia.”
“A missa é ação de graças, “Eucaristia”. Celebrá-la nesta terra fez-me lembrar a oração do padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin, elevada a Deus exatamente há 100 anos, no Deserto de Ordos, não muito distante daqui. Diz assim: «Prostro-me, meu Deus, diante da vossa presença no Universo volvido ardente e, sob os traços de tudo o que eu encontrar, e de tudo o que me acontecer, e de tudo o que realizar no dia de hoje, desejo-vos e espero-vos»”, disse o Papa.
O Padre Teilhard estava ocupado com pesquisas geológicas. Desejava ardentemente celebrar a Santa Missa, mas não trazia consigo nem pão nem vinho. Eis, então, que compôs a sua “Missa sobre o Mundo”, expressando assim a sua oferenda: “Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida pelo vosso apelo, vos apresenta na nova aurora”.
Segundo o Papa, “uma oração semelhante já havia surgido em sua mente, enquanto se encontrava na frente de batalha, durante a Primeira Guerra Mundial, servindo como carregador de macas”.
“Este sacerdote, muitas vezes incompreendido, tinha percebido que «a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo» e é «o centro vital do Universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim», inclusive num tempo como o nosso, de tensões e de guerras”, sublinhou Francisco, citando alguns trechos de sua Encíclica Laudato si’.
“Irmãos e irmãs da Mongólia, obrigado pelo vosso testemunho! Que Deus vos abençoe. Estais no meu coração e, no meu coração, permanecereis. Por favor, lembrai-vos de mim nas vossas orações e nos vossos pensamentos”, concluiu.
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