“Então, Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo. Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome.” (Mateus 4,1)

Assim inicia o relato da ida de Jesus ao deserto onde permanecerá por 40 dias e 40 noites, e ao final terá fome. O próprio espírito conduziu Jesus ao deserto. Este versículo serve de base e como essência do como devemos nos preparar para entrar no período quaresmal. A missão de Jesus neste mundo, segundo o Papa Bento XVI no livro Jesus de Nazaré, consiste em “descer aos perigos do homem, porque só assim pode o homem caído ser levantado: Jesus deve (isso pertence ao cerne da sua missão) penetrar no drama da existência humana, atravessá-lo até seu último fundo para encontrar a “ovelha perdida”, colocá-la nos seus ombros e levá-la para casa.”

Por isso, o primeiro passo que precisa ser dado antes de ir ao deserto quaresmal é o de estender a mão ao Espírito Santo como uma criança que pede ao seu pai que o tome pela mão, pois sozinho permanecerá em pé por um tempo, serão dados alguns passos e logo virão as tentações e a queda. Os padres do deserto nos ensinam que o deserto é o lugar onde habitam as feras, lugar de ausência de água, de alimento, de recursos, lugar de combate.

Na vida espiritual o que é o deserto?

Assumir uma postura de quem necessita de conversão é essencial para que o Espírito Santo possa fazer o seu trabalho de chegar nas nossas profundezas e tirar tudo o que é velho, fazer nova todas as coisas. Uma vida em pecado nos torna inimigos de Deus e, consequentemente, passamos a viver na desordem. O encontro com Deus e o retorno à filiação Divina devolve a ordem a nossa vida, passamos a viver na fé, cheios de esperança e transbordamos a caridade por onde passamos.

Um dos primeiros padres do deserto chamado Antônio, certa vez, encontrou um leão e, diante da fera, falou duas coisas: ou eu tentarei correr e você me alcança e me devora ou você me deixa em paz em nome de Deus e eu sigo o meu caminho?

O leão, depois de um tempo contemplando-o, acaba deixando Antônio em paz e segue seu caminho. Os padres do deserto vão nos ensinar que o deserto é o lugar da ação da providência divina.

Nesta Quaresma, permita que o Espírito Santo conduza você pela mão; e como um segundo passo, confie a sua vida nas mãos da Divina Providência, pois feras poderão se colocar na tua frente, a fome chegará, o peso e o cansaço da caminhada se apresentarão, porém o Pai, na sua infinita misericórdia, não permitirá que você pereça.

O Espírito da Verdade, um guia na caminhada e na luta diária pela santidade

Um terceiro passo essencial na Quaresma, fruto do auxílio do Espírito Santo, segue o que o Santo Papa João Paulo II ratificou em sua mensagem para a Quaresma em 1981:

“Sim, a Quaresma é um tempo de verdade! Examinemo-nos com sinceridade, franqueza e simplicidade! Os nossos irmãos estão ao nosso lado, na pessoa dos pobres, dos doentes, dos marginalizados e velhinhos. A que ponto estamos com o nosso amor? E com a nossa verdade?” Abra o seu coração para a verdade que é o próprio Cristo em cada momento de comunhão com ele e saia em missão para ser Eucaristia para todos aqueles que a Divina Providência colocar na sua frente.

Tome como antídotos contra o veneno da concupiscência da carne, do egoísmo e do mal presente no mundo, a oração, a esmola e o jejum. A oração por excelência significa colocar Deus em primeiro lugar em minha vida. A esmola tem como foco tornar o próximo mais importante do que eu.

Todos somos chamados a viver o “êxodo”, sair de si para ir ao encontro de Deus e do próximo. A esmola significa colocar o outro em primeiro lugar. O Jejum tem como objetivo nos conduzir ao essencial da vida, que é o próprio Deus; abrir mão de tudo o que é supérfluo e abraçar tudo o que nos alimenta de eternidade. Não significa simplesmente ficar sem se alimentar, não comer doce ou beber refrigerante, é, acima de tudo, esvaziar-se por inteiro para ser preenchido por Deus. O nosso corpo entra em comunhão com a nossa alma e o nosso espírito através do jejum.

Escute o Espírito para que ele conduza sua vida

“É-nos concedido, desse modo, experimentar a superabundância do amor do Pai celeste, que em plenitude foi dado à humanidade inteira no mistério pascal” (São João Paulo II).

Não esquecemos que para que tudo isso se cumpra, para que possamos colher os frutos do deserto quaresmal e possamos chegar na semana santa e viver com Cristo a Sua cruz, morte e ressurreição, o silêncio é essencial.

Santa Teresa de Calcutá nos ensina em seu livro ‘A oração’ o frescor de uma fonte. “Nós temos sede de encontrar Deus, porém ele não se deixa ser encontrado nem no barulho, nem na agitação.”

Os Evangelhos provocam cada um de nós a sempre buscarmos o deserto, a fim de entrar em comunhão com Deus.

Sendo assim, que, nesta Quaresma, como consequência do silêncio habitado por Deus, que o Espírito Santo nos conduza pela mão, que a Divina Providência nos surpreenda e ajude a encontrar a verdade que é Jesus Cristo, e que, pela graça da conversão de vida, possa voltar a chamar Deus de Pai.

Canção Nova

Crédito: olegbreslavtsev by GettyImages/ cancaonova.com

 

Quando cometemos o pecado, nos afastamos, perdemos a comunhão, nos distanciamos de Deus, deixamos de olhar para dentro e olhamos para fora, buscando saciar a nossa fome com coisas externas.

Deus nos criou para nos relacionarmos. Logo no início, Ele colocou Adão em convívio com toda a criação; Ele não quis que o ser humano estivesse só e, a todo instante, o Senhor se mantinha em plena relação com o homem. Todas as tardes Ele passeava pelo jardim. Portanto, o pecado é a falência dessa relação, é a quebra dessa comunhão, é não amar. Pecar é um ato de livre escolha, que traz várias consequências para nós, sendo a maior delas a ruptura da relação com Deus. Com isso, entendemos que o pecado não é um código que transgredimos, mas uma relação que destruímos com nosso próximo, com nós mesmos e com Deus.

Pecado – a luta do cristão

Estamos diante de uma luta que perpassa a história da humanidade, que foi iniciada desde a origem do mundo e durará até o último dia. Por isso, devemos lutar sempre contra o pecado. “Igualmente o atleta, na luta esportiva, só recebe a coroa se lutar segundo as regras” (2Tm 2,5). É uma luta dura, mas necessária, sem a qual não podemos agradar a Deus e sermos felizes.

Caiu? Levante-se! Peça a Deus o perdão, arrependa-se de todo o coração, perdoe a si mesmo e continue a caminhada. Não é porque perdemos uma batalha que vamos perder a guerra contra o pecado, pois as quedas nos ajudam a nos desprezar e a confiar em Deus, elas são remédios contra o nosso orgulho, contra o amor-próprio, contra a nossa presunção e arrogância. Devemos entender que essas tentações contra a pureza nos tornam mais castos quando as superamos; as tentações contra a ira nos tornam mais mansos e humildes; as tentações da gula nos tornam mais fortes na temperança. O combate contra as tentações nos faz mais fortes e mais vigilantes.

Nossas faltas fazem-nos conhecer experimentalmente e tocar com os dedos a nossa miséria e impotência, e nos dão a humildade, que é um dos pilares do Movimento e uma virtude que agrada muito ao Senhor. Por isso, ao cair, não podemos ficar pisoteando a alma, sem querer aceitar, por orgulho, a própria queda, mas, ao contrário, dizer como ensina São Francisco de Sales: “Ó minha alma, pobre alma, levante-se, é grande a misericórdia de Deus”.

Quatro dicas para superarmos o pecado

Devemos guardar quatro coisas como se fossem armas para nossa segurança e para obtermos a vitória. São elas: a desconfiança de si, a confiança em Deus, os exercícios e as orações. Esse é o caminho da perfeição cristã que passa pela cruz, não existindo santidade sem renúncia e sem combate espiritual. Fazer a vontade de Deus é, antes de tudo, lutar contra os nossos pecados, pois eles nos escravizam e nos separam do Amor, nos separam dessa relação que Deus sonhou e deseja ter conosco.

Nunca podemos nos desesperar ou desanimar, mesmo que nossos pecados sejam numerosos. Não podemos permitir que, depois do pecado, entre o desespero em nosso coração. Assim lemos na primeira carta de São João: “Se o nosso coração nos acusa, Deus é maior que o nosso coração e tudo conhece” (1Jo 3,20). E à mulher adúltera, Cristo disse: “Ninguém te condenou? Eu também não te condeno. Vá e não peques mais”.

(Trecho retirado do livro – Penitência Um caminho de conversão – Angela Abdo)

Canção Nova