FRANCISCO
Depois de esperar muitos anos pela consolação do Senhor, o velho Simeão reconhece no Menino o Messias enviado por Deus. Toma-o nos braços e bendiz a Deus com o coração comovido, reconhecendo naquele Menino a luz da salvação que todos os povos esperavam (cf. Lc 2, 30-31).
Jesus é a luz enviada pelo Pai nas noites escuras da humanidade. Ele é a aurora que Deus quis fazer surgir enquanto ainda caminhávamos nas trevas. É Ele quem abriu portas de esperança onde estávamos perdidos, iluminando os recantos remotos da terra e os sulcos de nosso coração partido, triste e ferido. Ele é aquela luz original da Criação que agora brilha entre nós para dissipar as trevas de nossa vida. Jesus é a luz do mundo (cf. Jo 8, 12) e, portanto, mesmo que às vezes tateemos no escuro e nos falte a “visão”, há sempre esperança para nós. Porque sempre podemos ir até Ele gritando como o cego Bartimeu e receber de Jesus olhos novos e luminosos.
Animada por esta esperança, a Igreja, na sua tradição teológica e litúrgica, sempre se voltou para o Oriente e nos convida a olhar para lá, porque do Oriente nasce a luz, o sol da justiça, a estrela luminosa que é Cristo. A Igreja necessita sempre de ser iluminada por Cristo e pelo seu Evangelho, porque sempre, como um barco que navega nas ondas muitas vezes agitadas da história, pode sempre correr o risco de não ser a Igreja de Jesus. O velho Simeão diz a Maria e a José: este Menino que nasceu “está aqui para a queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição” (Lc 2,34). Jesus continua sendo um escândalo ainda hoje, um sinal de contradição que mina as nossas seguranças e abala o nosso coração para que não fique paralisado pelo medo, não fique preso na hipocrisia, endurecido no pecado. A alegria do Evangelho, ao mesmo tempo em que nos consola e nos eleva, é também uma profecia que nos põe em crise, que continua a perturbar a lógica do poder humano, os cálculos mundanos, as armas da opressão, a lógica da divisão e ambiguidade. Jesus continua sendo aquele que perturba a falsa paz daqueles que “por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão… cheios de hipocrisia e iniquidade” (Mt 23,27-28).
É por isso que tenho o prazer de apresentar este livro, que pretende dar voz à Igreja Oriental através das histórias, anedotas e reflexões do cardeal Lázaro You Heung-sik, que encontrei pela primeira vez em 2014, durante a Jornada da Juventude Asiática, e a quem chamei hoje para dirigir o Dicastério para o Clero. Com seu jeito amável e afável, permite-nos colher os frutos de uma fé semeada em terra de mártires e germinada com simplicidade graças ao alegre testemunho de uma Igreja viva. E da história que lentamente vai se formando, podemos vislumbrar o caminho para permanecer, todos nós, uma Igreja fiel a Jesus e ao seu Evangelho, longe de toda mundanidade.
Das conversas relatadas nestas páginas, que entrelaçam elementos autobiográficos e reflexões espirituais e pastorais, o cardeal Lázaro traz à tona o retrato de uma fé gerada no contato constante com a Palavra de Deus e com as testemunhas do Evangelho; o retrato de uma Igreja jovem e corajosa, nascida dos leigos, que se torna instrumento de esperança e compaixão, cuidando de quem está ferido; o retrato de um ministério sacerdotal que precisa se regenerar à luz do Evangelho, esvaziando-se de todo clericalismo e repensando-se “ao lado” e “com” os irmãos leigos, em comunidades sinodais e ministeriais.
Por isso, expresso minha gratidão ao cardeal Lázaro e a quem editou estas páginas, porque todos nós precisamos dessa luz que vem do Oriente. Precisamos escutar o testemunho audacioso de tantas irmãs e tantos irmãos que, com entusiasmo e apesar de muito sofrimento, acolheram Jesus de braços abertos como o velho Simeão, acolhendo a pregação de Santo André Kim e de muitos missionários que gastaram a vida pela alegria do Evangelho. Precisamos “descentralizar-nos”, fazendo uma viagem ao Oriente e colocando-nos na escola de um estilo de vida espiritual e eclesial que revigore a nossa fé. Precisamos lembrar que, mesmo nas dificuldades e na escuridão, o Senhor vem como um relâmpago e quer iluminar a nossa vida.
Vatican News
Emmanuel Van Lierde
A ‘Tertio’ já havia tido o privilégio de entrevistar longamente o Papa Francisco em 17 de novembro de 2016. O motivo daquela entrevista tinha sido, por um lado, o centenário da Primeira Guerra Mundial e, por outro, os ataques terroristas em Paris em novembro de 2015 e em Bruxelas em 22 de março de 2016. Seis anos depois, pareceu apropriado pedir outra entrevista, desta vez por ocasião do décimo aniversário de seu pontificado, 13 de março de 2023. O processo foi o mesmo de quase sete anos atrás: foi dom Luc van Looy quem encaminhou o pedido ao Papa. O pedido foi aceito imediatamente. “Mesmo agora que ele é Papa, ele não esquece seus velhos amigos”, enfatizam algumas pessoas próximas a ele.
O bispo emérito de Gand é um daqueles amigos para os quais as portas se abrem infalivelmente em Roma. Mas além da amizade, a Bélgica está no coração do Papa argentino. Ele já o havia dito em 2016 e o repete agora. Quando foi superior provincial dos Jesuítas na Argentina, Jorge Mario Bergoglio também foi grande chanceler de sua universidade em Córdoba. Um círculo de amigos belgas, reunidos em torno do jesuíta e professor Jean Sonet, promoveu o crescimento daquela universidade católica. Para agradecer a esses benfeitores e manter relações com eles, Bergoglio veio à Bélgica várias vezes nos anos 70, onde também pôde fazer algumas visitas turísticas. “Acima de tudo, eu gostei de Bruges. As obras de Hans Memling – impressionantes!”.
A nova entrevista está marcada para segunda-feira, 19 de dezembro de 2022, dois dias após o 86º aniversário do Papa Francisco e no dia seguinte à vitória da Argentina na Copa do Mundo. Saudamos o Papa com votos de felicidades, quinze minutos antes do planejado, o que implica em quinze minutos extras de encontro, tanto que nossa conversa em espanhol durará um total de três quartos de hora em vez da meia hora como planejado. Explicamos que pretendemos publicar a entrevista simultaneamente nos semanários cristãos ‘Tertio’ e ‘Dimanche’, mas também em um livro, cuja publicação não é iminente. O que preocupa o Papa: “E se algo me acontecer nesse meio tempo?” diz ele, franzindo a sobrancelha. Então ele acrescenta que uma publicação póstuma lhe permitiria dizer uma última palavra ‘do túmulo’, desde la tumba‘. Esta brincadeira é reveladora do senso de humor do Papa Francisco e denota a atmosfera de convívio, sem protocolos ou formalismos, em que se realiza o encontro. Uma vez que os microfones foram testados para gravação, a entrevista pode começar.
Um fio condutor para compreender seu pontificado é o Concílio Vaticano II (1962-1965), embora o senhor seja o primeiro Papa a não ter participado pessoalmente. Por que a implementação contínua do Concílio é tão importante para o senhor? O que está em jogo?
Os historiadores dizem que é preciso um século para que as decisões de um Concílio tenham pleno efeito e sejam implementadas. Ainda temos 40 anos pela frente…. Estou tão preocupado com o Concílio porque esse evento foi na verdade uma visita de Deus à sua Igreja. O Concílio foi uma daquelas coisas que Deus realiza na história através de pessoas santas. Talvez quando João XXIII o convocou, ninguém percebeu o que iria acontecer. Diz-se que ele mesmo pensou que seria concluído em um mês, mas um cardeal reagiu dizendo: “Comece a comprar os móveis e tudo mais, levará anos”. João XXIII levou isto em conta, ele era um homem aberto aos apelos do Senhor. É assim que Deus fala a seu povo. E ali realmente nos falou. O Concílio não implicava apenas uma renovação da Igreja. Não era apenas uma questão de renovação, mas também um desafio para tornar a Igreja sempre mais viva. O Concílio não se renova, ele rejuvenesce a Igreja. A Igreja é uma mãe que sempre avança. O Concílio abriu a porta para uma maior maturidade, mais em sintonia com os sinais dos tempos. A Lumen gentium, por exemplo, a constituição dogmática sobre a Igreja, é um dos documentos mais tradicionais e ao mesmo tempo mais modernos, porque na estrutura da Igreja, o tradicional – se bem compreendido – é sempre moderno. Isto porque a tradição continua a se desenvolver e a crescer.
Como afirmou o monge francês Vincent de Lérins no século V, os dogmas devem continuar a se desenvolver, mas segundo esta metodologia: “Ut annis scilicet consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate” (“Que sejam consolidados pelos anos, expandidos pelo tempo, exaltados pela idade”). Ou seja: a partir da raiz, continuamos sempre a crescer. O Concílio deu esse passo adiante, sem cortar a raiz, porque não se pode fazer isso se se quer produzir frutos. O Concílio é a voz da Igreja para nosso tempo e neste momento – por um século – o estamos colocando em prática.
É uma imagem estranha: a Igreja é como uma mãe que não envelhece, mas fica cada vez mais jovem…
Incrível mesmo, mas assim é a Igreja. Ela rejuvenesce sem perder sua sabedoria secular.
A contínua implementação e realização do Concílio inclui o incentivo à sinodalidade. O que isso realmente significa?
Há um ponto que não podemos perder de vista. No final do Concílio, Paulo VI ficou muito impressionado ao ver que a Igreja Ocidental quase tinha perdido sua dimensão sinodal, enquanto as Igrejas Católicas Orientais tinham sido capazes de preservá-la. Ele anunciou, portanto, a criação da Secretaria do Sínodo dos Bispos, a fim de promover novamente a sinodalidade na Igreja. Nos últimos sessenta anos, isto se desenvolveu mais e mais. Gradualmente, algumas coisas foram esclarecidas. Por exemplo, se apenas os bispos tinham o direito de voto. Às vezes não estava claro se as mulheres podiam votar… No último sínodo na Amazônia, em outubro de 2019, houve um amadurecimento a este respeito. Um fato particular ocorreu então. Quando um Sínodo termina, aqueles que participaram dele e todos os bispos do mundo são questionados sobre qual tema gostariam de ver na agenda do próximo Sínodo. O primeiro tema mencionado foi o do sacerdócio e, em seguida, a sinodalidade. Evidentemente, era um tema compartilhado que todos os bispos sentiram que era hora de abordar. Por ocasião do cinquentenário deste órgão permanente do Sínodo dos Bispos, alguns teólogos já haviam feito um balanço do mesmo em um documento. Nós viemos de longe, agora estamos aqui e devemos seguir em frente. Isto é o que fazemos através do processo sinodal atual, e os dois sínodos sobre a sinodalidade nos ajudarão a esclarecer o significado e o método de tomada de decisões na Igreja.
É importante afirmar claramente que um sínodo não é um parlamento. Um sínodo não é uma pesquisa de opinião à esquerda e à direita. Não é. O principal protagonista de um sínodo é o Espírito Santo. Se o Espírito Santo não está presente, não pode haver sínodo.
Durante nossa entrevista anterior em 2016, o senhor evocou a terceira guerra mundial que estamos vivendo em pedaços Hoje a situação não melhorou, na verdade piorou, com ainda mais guerras como a da Ucrânia. Que papel pode desempenhar a diplomacia vaticana neste nível?
O Vaticano tem levado este conflito a sério desde o primeiro dia. No dia seguinte ao início da invasão, eu fui pessoalmente à embaixada russa. Algo que nunca havia sido feito por um Papa e que um Papa normalmente não faz. Também expressei minha disposição de ir a Moscou e fazer de modo que o conflito não continuasse. Desde seu início até hoje, o Vaticano sempre esteve no centro da ação. Vários cardeais já viajaram à Ucrânia, o Cardeal Konrad Krajewski, foi lá seis vezes para ajudar o povo ucraniano. Ao mesmo tempo, não paramos de falar com o povo russo para fazer algo.
Esta guerra é terrível, é uma imensa atrocidade. Há muitos mercenários que combatem lá. Alguns são muito cruéis, muito cruéis. Há tortura; crianças são torturadas. Muitas crianças que estão na Itália com suas mães, que são refugiadas, vieram me encontrar. Eu nunca vi uma criança ucraniana sorrir. Por que estas crianças não sorriem? O que é que elas viram? É terrível, realmente terrível. Estas pessoas estão sofrendo, sofrendo com a agressão. Eu também estou em contato com vários ucranianos. O presidente Volodymyr Zelensky enviou várias delegações para falar comigo.
Daqui fazemos o que podemos para ajudar a população. Mas o sofrimento é muito grande. Lembro-me do que meus pais costumavam me dizer: “A guerra é uma loucura”. Não há outra definição. Nós nos sentimos muito envolvidos nesta guerra porque ela está ocorrendo perto de nós. Mas há anos existem guerras no mundo às quais não prestamos atenção: em Mianmar, na Síria – já 13 anos de guerra – no Iêmen, onde as crianças não têm educação e não têm pão, onde passam fome…. Em outras palavras: o mundo está, de fato, sempre em guerra. Há uma coisa que deve ser denunciada: é a grande indústria de armas. É o comércio de armas. Quando um país rico começa a enfraquecer, diz-se que ele precisa de uma guerra para continuar e se tornar ainda mais forte. E as armas se preparam para isso. Mas há também o comércio de armas. Eles se livram de todas as armas antigas que têm e procuram novas armas. É terrível. Diz-se – não sei se é verdade – que a Guerra Civil espanhola serviu para testar armas para a Segunda Guerra Mundial. Não sei se é verdade, mas as armas são sempre testadas, não são? É a indústria da destruição, a indústria da guerra, de um mundo em guerra. Em cerca de um século, vivemos três grandes guerras mundiais: a guerra de 14-18, a guerra de 39-45 e a guerra atual, que é também uma guerra mundial, na qual os países ricos estão renovando suas armas.
Quando fui à localidade italiana de Redipuglia para o centenário da Primeira Guerra Mundial, uma das minhas primeiras viagens como Papa em 2014, vi todas aquelas sepulturas lá. E eu chorei. Eu chorei. Minha avó viveu aquela guerra e me contou coisas que ficaram dentro de mim. No dia 2 de novembro, eu sempre vou a um cemitério. Então, há alguns anos, fui ao cemitério de Anzio, perto de Roma, para a comemoração de todos os fiéis, e vi as sepulturas e as idades dos jovens: 18, 19, 20 anos de idade…. Também lá eu não consegui conter as lágrimas. Por que essa loucura para aqueles jovens? Quando alguns líderes do governo organizaram um ato de comemoração pelo aniversário dos desembarques na Normandia, pensei na crueldade daquele desembarque, porque os nazistas esperavam isso. Eles sabiam. De acordo com os números, 30.000 jovens morreram naquela praia. Eu penso numa mãe. O carteiro bate à sua porta e tem uma carta para ela. Ela a abre e lê: “Senhora, temos a honra de informá-la de que você tem um filho que é um herói”. Sua reação é: ‘Eu tive um filho, eles o mataram’. Toda guerra é um fracasso. Mas não se aprende, não se aprende. E agora que estamos vivendo outra de perto, é de se esperar, se Deus quiser, que finalmente aprendamos uma lição com ela…. Isto começou com Caim e Abel, e continua ainda, ainda. Para mim é muito doloroso, muito doloroso, e não posso estar de um lado ou do outro, a guerra é um mal em si mesma.
Na Bélgica, também estamos muito preocupados com a guerra e a violência na República Democrática do Congo.
Lembro-me que quando o Rei Balduíno estava lá para proclamar a independência, sua espada foi-lhe retirada, não foi? Foi uma ação simbólica. Sim, a violência em Goma, no nordeste do Congo, onde há a guerrilha ruandesa. Guerras semelhantes são travadas há anos, mas nós as ignoramos. Vemos a Ucrânia porque ela está próxima. A guerra é loucura, é suicídio, é autodestruição. Paz, por favor, paz!
Em nossos países – com um clero em diminuição e menos fiéis – a liderança da Igreja tende a se concentrar na liturgia e no anúncio. A Igreja não deveria antes mostrar seu rosto social e profético se quiser ser relevante hoje em dia?
Estas missões não podem ser contrapostas. Elas não são contraditórias. A oração, a adoração e o culto não é retirar-se para a sacristia. Não é correto. Uma Igreja que não celebra a Eucaristia não é uma Igreja. Mas também não o é uma Igreja que se esconde na sacristia. Ficar na sacristia não é um culto correto. A celebração da Eucaristia tem consequências. Há o partir do pão. Isto implica uma obrigação social, a obrigação de cuidar dos outros. Oração e compromisso andam de mãos dadas. A adoração a Deus e o serviço aos irmãos andam de mãos dadas, porque em cada irmão e irmã vemos Jesus Cristo.
Estejamos atentos. O compromisso social da Igreja é uma reação, uma consequência do culto. Portanto, este compromisso não deve ser confundido com ação filantrópica que mesmo um não crente pode realizar. A ação social da Igreja deriva de seu ser, porque nela reconhece Jesus. Ela é tão forte que é até a medida pela qual, como nos diz Jesus, seremos julgados. Segundo Mateus 25, ouviremos esta medida de nossa caridade durante o Juízo Final: “Eis que tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; estive na prisão e me visitastes; adoeci e me curastes…”. Todas estas são ações sociais, mas não são realizadas por obrigação ou dever social, mas porque Jesus está presente nelas. Entretanto, jamais reconhecerei aí Jesus se não o reconhecer também na adoração e no culto. As duas coisas andam juntas. Elas devem estar unidas. Uma Igreja puramente cultual não é uma Igreja, nem o é uma Igreja puramente “social”, por assim dizer….
Cuidar dos jovens e dos idosos é algo que lhe é muito caro, pois correm o risco de não contar realmente numa cultura do descarte…
Coisas muito bonitas acontecem no diálogo entre as diferentes gerações. O profeta Joel escreveu uma frase magnífica a este respeito: “vossos filhos e vossas filhas se tornarão profetas; vossos anciãos terão sonhos, vossos jovens terão visões” (3,1). E depois os jovens e os idosos se encontrarão. O ancião não deve ser mantido em um armazém ou museu, mas deve poder continuar dando à sociedade o que tem dentro. O idoso tem uma missão. Devemos cuidar do idoso como uma joia. Mesmo que ele não esteja mais em boa saúde ou se não estiver mais plenamente consciente, devemos cuidar dele como uma joia, porque essa pessoa, esse homem ou mulher, nos deu vida. Portanto, devemos cuidar dele ou dela.
E os jovens não estão aqui para serem mimados e para não serem incomodados. Temos que ajudá-los a crescer em sabedoria. O encontro entre jovens e anciãos é, portanto, profético. Já vivenciei isto muitas vezes com os jovens. Por exemplo, lembro-me de uma atividade em que propusemos a alguns jovens tocar o violão em uma casa de repouso. “Puxa vida, puxa vida, que chato!”. “Vamos, mesmo assim”. E depois eles não queriam mais ir embora, começaram a cantar e o diálogo com os idosos começou. Aqueles jovens descobriram algo nos idosos. Os idosos sabem como falar, sabem onde está o problema. Um deles me contou que havia passado por um período muito complicado em sua vida e que havia tomado caminhos difíceis, incluindo o vício em drogas; muito ruim, muito ruim. A família não se deu conta disso. Ele sabia como esconder isso. Sua avó, porém, reparou nele e lhe disse suavemente: “Vou esperar por ti. Quando quiseres, eu estou aqui. Eu te ajudo, eu te amo”. Sua avó lhe deu alguma esperança para que, quando ele voltasse, não se sentisse como um fracassado. Os avós são a memória que nos transmite o conhecimento. E colocar os jovens em contato com seus avós é semear a vida, é semear o futuro. É preciso valorizá-los. Eles não são materiais para serem jogados fora, assim como não o são os jovens. “Deixá-los fazer o que eles querem”: isto equivale a abandoná-los à própria sorte, excluindo-os de nossas vidas por comodidade. Cuidem de ambos, dos jovens e dos idosos, e façam com que eles se encontrem. Esse verso de Joel é muito bonito. Quero mostrar-lhes algo, só por um momento… (o Papa chamou um auxiliar e lhe pediu para ir procurar uma foto tirada durante sua visita à Romênia, em 1º de junho de 2019, ndr).
Quando entrei na praça principal de Iaşi, para encontrar famílias e jovens, estava lotada de gente. Vi uma mulher idosa me mostrando um bebê de aproximadamente dois meses, sorrindo, como se dissesse: “Esta é minha esperança”, “olhe, agora eu posso sonhar”. Fiquei emocionado. Naquele momento, fiquei tão emocionado que não pude dizer a ela: “Venha comigo, senhora, para que possamos mostrá-lo a todos”. Mas no final do meu discurso, contei essa história e disse que os avós sonham quando veem seus netos progredir e que os netos ganham coragem quando podem apoiar-se na raiz de seus avós. Espontaneamente, eu disse: “Pena que não tenha sido tirada sua foto”. Mas o fotógrafo respondeu que havia visto meu entusiasmo e que havia tirado a foto. Aqui está a foto com a história no verso. Ela diz muito para mim. Um ancião com uma criança, dizendo: “Esta é a minha força”. “Este é o meu futuro”. E a criança pode dizer: “Esta é a minha força”. Esta foto é um símbolo do vínculo entre avós e netos. É importante que as crianças tenham contato com seus avós, muito importante.
Qual sua mensagem tem para todos os agentes da saúde que dão o melhor de si em circunstâncias muitas vezes difíceis?
Eles desempenham uma função importante, um trabalho muito digno, muito digno. E também necessário. Se este trabalho é vivido como uma vocação, com ternura, ele é muito digno. É muito triste que algumas casas de repouso adotem uma linha excessivamente comercial, o que resulta na perda da ternura. Quando eu era bispo em Buenos Aires, gostava de ir e celebrar a Eucaristia em casas de repouso. Eu me assegurava ter sempre ter bastante tempo disponível, assim eu falava com todos e só depois eu celebrava a Missa. Lembro-me de uma vez – alguns vão ficar zangados por eu estar contando esta história, mas conto assim mesmo – quando chegou a hora da Comunhão e um deles disse: “Se alguém quiser comungar, levante a mão”, e eu deveria passar na frente deles para que não tivessem que se deslocar. Naturalmente, todos levantaram a mão. Havia uma senhora a quem eu dei a comunhão que pegou minha mão e disse: “Obrigado, padre, obrigado, eu sou judia”. Eu respondi: “Bem, este que eu lhe dei também Ele era judeu, não era?” (risos). A pessoa idosa procura companhia, proximidade e contato, o que transcende a fé religiosa. Aos bispos eu digo: “Visitem as casas de repouso, visitem os idosos”.
O modelo de mercado neoliberal atingiu seus limites. Como “a economia Francisco” oferece uma alternativa?
Em primeiro lugar, a doutrina social da Igreja – do Papa Leão XIII até hoje – pode inspirar. Este ensinamento analisa as questões econômicas a partir do Evangelho. Com o jornalista Austen Ivereigh, escrevi um livro que lhes presentearei: Let us dream (Voltemos a sonhar). De fato, devemos ter a coragem de sonhar, de sonhar inclusive economias que não sejam puramente liberais… É preciso ser prudente com a economia: se ela se concentra demasiadamente somente nas finanças, em meras cifras que não têm entidades reais por trás delas, então a economia se pulveriza e pode levar a uma séria traição. Há pessoas extraordinárias repensando a economia neste momento, entre elas algumas mulheres. As mulheres são gênios da criatividade. Eu as menciono nesse livro. A economia deve ser uma economia social. À expressão “economia de mercado”, João Paulo II acrescentou “social”, uma economia social de mercado. É preciso ter sempre em mente o social.
Neste momento a crise econômica é, sem dúvida, grave, a crise é terrível. A maioria das pessoas no mundo – a maioria – não tem o suficiente para comer, não tem o suficiente para viver. A riqueza está nas mãos de poucas pessoas que dirigem grandes empresas, que por vezes são propensas à exploração. Na Argentina tivemos uma bela experiência que nos chegou da Bélgica, das Flandres. [Alguns empresários] se estabeleceram na Argentina com a doutrina social da Igreja como ponto de referência. Na Flandria – esse era o nome da empresa têxtil que eles possuíam – os próprios trabalhadores participavam dos dividendos. Foi um enorme passo para frente que vocês, belgas, deram. Na Argentina, seria uma boa ideia reexaminar o que aconteceu lá. Estou falando das décadas de 1940 e 1950. É possível, portanto, e em harmonia. Jules Steverlinck era o responsável pela Flandria, certo? A cerca de 70 km de Buenos Aires. Portanto, tal economia social é possível e eu tive um exemplo dela graças a vocês, belgas. Sim. A economia deve ser sempre social, a serviço do social.
Junto com três jornalistas holandeses tomei a iniciativa de escrever para o senhor uma carta aberta por ocasião da canonização, em 15 de maio de 2022, do carmelita holandês Titus Brandsma, pedindo que proclamasse Titus Brandsma, ele próprio muito comprometido com o jornalismo, o santo padroeiro dos jornalistas. O nosso pedido tem alguma chance de ser levado em consideração?
Sim, estou de acordo. Concordo plenamente com esta proposta. Há outro santo que pode ser proposto para isso, que também morreu em um campo de concentração. Em todo caso, pretendo contatar o Dicastério das Causas dos Santos para ver o que pode ser feito. Seria, de qualquer forma, um prazer para mim. E gostaria também de aproveitar esta oportunidade para agradecer, através de vocês, a todos os jornalistas por seu trabalho. É uma profissão nobre: transmitir a verdade. Mas, ao mesmo tempo, peço-lhes que tenham cuidado com os quatro pecados dos jornalistas. Sabe quais são eles?
Não. O senhor os mencionou em nossa entrevista anterior, mas eu não saberia elencá-los agora.
A desinformação – relatando apenas uma parte e não o todo – a calúnia, a difamação – que não são a mesma coisa – e coprofilia, que é a busca de coisas “sujas” que causam escândalo e atraem a atenção.
E a propósito destes vícios, quais são as virtudes de um bom jornalista?
As qualidades de um jornalista são ouvir, traduzir e transmitir, porque sempre tem que traduzir, certo? Mas antes de tudo ouvir… Há jornalistas que são brilhantes porque dizem claramente: “Eu escutei, ele disse isto, embora eu pense o contrário”. Assim se faz bem, mas não se deve dizer: “Ele disse isto”, mesmo que não seja o que foi dito. Ouçam, relatem a mensagem e depois critiquem. Os jornalistas fazem um trabalho formidável.
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