Andressa Collet – Vatican News

O último compromisso do Papa Francisco no Cazaquistão foi no Palácio da Independência, em Nursultan, nesta quinta-feira (15), quando foi feita a leitura da “Declaração Final” de conclusão do VII Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais. Na ocasião, o Pontífice fez o último discurso da sua viagem apostólica.

Um exemplo de futuro

E começou agradecendo por “caminharem juntos” durante esta visita ao país, através da riqueza de crenças e culturas da população, “testemunha de tantos sofrimentos passados”, mas que oferece um exemplo de futuro com “a multirreligiosidade e multiculturalidade extraordinária”. E tudo vivido “sob o signo do diálogo, ainda mais precioso neste período tão difícil sobre o qual grava, para além da pandemia, a loucura insensata da guerra”, comentou o Pontífice.

“Há demasiados ódios e divisões, demasiada falta de diálogo e compreensão do outro: isto, no mundo globalizado, é ainda mais perigoso e escandaloso. Não podemos avançar assim, ora unidos ora separados, ora interligados ora dilacerados por demasiadas desigualdades. Obrigado, pois, pelos esforços que visam a paz e a unidade.”

A liberdade religiosa é um direito concreto

O Papa então lembrou do lema da viagem, Mensageiros de paz e de unidade: “está no plural, porque o caminho é comum”. Um caminho comum que tem sido abraçado desde o início da história do Congresso, em 2003, até a Declaração Final deste ano, que “afirma que o extremismo, o radicalismo, o terrorismo e qualquer outro incentivo ao ódio, à hostilidade, à violência e à guerra”, disse o Pontífice, “nada têm a ver com o autêntico espírito religioso e devem ser rejeitados nos termos mais decididos que for possível; condenados, sem «se» nem «mas»”. Além disso, acrescentou ele, o respeito mútuo deve ser essencial, “independentemente da sua pertença religiosa, étnica ou social”:

“Há de ser sempre e em toda parte tutelado quem deseja exprimir, de modo legítimo, o próprio credo. Contudo, ainda hoje quantas pessoas são perseguidas e discriminadas pela sua fé! Pedimos veementemente aos governos e às competentes organizações internacionais que assistam os grupos religiosos e as comunidades étnicas que sofreram violações dos seus direitos humanos e liberdades fundamentais, e violências da parte de extremistas e terroristas, inclusive em consequência de guerras e conflitos militares. É preciso sobretudo empenhar-se para que a liberdade religiosa seja, não um conceito abstrato, mas um direito concreto.”

O diálogo inter-religioso é caminho sem retorno

Por isso a Igreja Católica, disse o Pontífice, “crê também na unidade da família humana. Crê que «os homens constituem todos uma só comunidade» (Conc. Ecum. Vat. II, Decl. Nostra aetate, 1)”. Assim, desde o início do Congresso, a Santa Sé, especialmente através do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso, participou ativamente do evento e vai continuar a fazê-lo:

“O caminho do diálogo inter-religioso é um caminho comum de paz e para a paz, e, como tal, é necessário e sem retorno. O diálogo inter-religioso já não é apenas uma oportunidade, mas um serviço urgente e insubstituível à humanidade, para louvor e glória do Criador de todos.”

Um “caminho comum”, insistiu sempre o Papa em discurso, ao reiterar um ponto de convergência enaltecido já por João Paulo II quando visitou o Cazaquistão há 21 anos e tratou do caminho comum do homem e da Igreja:

“Hoje quero afirmar que o homem é também o caminho de todas as religiões. Sim, o ser humano concreto, debilitado pela pandemia, prostrado pela guerra, ferido pela indiferença! O homem, criatura frágil e maravilhosa, que, «sem o Criador, se obscurece» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. past Gaudium et spes, 36) e, sem os outros, não subsiste!”

A paz, a mulher e os jovens

O Papa, assim, deu seguimento ao discurso destacando o espírito que permeia a Declaração Final do Congresso através de três palavras: pazmulher e jovens. A primeira, disse Francisco, além de urgente “é a síntese de tudo, a expressão dum grito do coração, o sonho e a meta do nosso caminho: paz! Beybitşilik, mir, peace!”:

“A Declaração exorta os líderes mundiais a cessarem em todo o lado conflitos e derramamentos de sangue e a abandonarem retóricas agressivas e destrutivas. Pedimo-vos, em nome de Deus e para o bem da humanidade: empenhai-vos pela paz, não pelos armamentos! Só servindo a paz é que permanecerá grande na história o vosso nome.”

E, se falta a paz, acrescentou o Papa, “é porque falta atenção, ternura e capacidade de gerar vida”. Dessa forma, a mulher “é caminho para a paz” e por isso precisa ter a dignidade defendida a condição social melhorada: “quantas opções de morte seriam evitadas se estivessem precisamente as mulheres no centro das decisões! Empenhemo-nos para que sejam mais respeitadas, reconhecidas e envolvidas”.

Finalmente, e na conclusão do discurso, o Papa falou sobre a terceira palavra: os jovens, que são “os mensageiros de paz e de unidade de hoje e de amanhã”. Na mão deles, “coloquemos oportunidades de instrução, não armas de destruição! E escutemo-los, sem medo de nos deixar interpelar por eles. Sobretudo construamos um mundo pensando neles!”

Vatican News

Jane Nogara – Vatican News

No terceiro dia da sua viagem ao Cazaquistão, depois do encontro com os membros da Companhia de Jesus, o Papa Francisco encontrou os bispos, sacerdotes, diáconos, pessoas consagradas, seminaristas e agentes pastorais na Catedral Mãe de Deus do Perpétuo Socorro de Nur-Sultan. Na sua saudação inicial o Papa disse estar feliz por encontrar a Conferência Episcopal da Ásia Central e ver uma Igreja feita de muitos rostos, histórias e tradições diferentes, e todas unidos por uma única fé em Cristo Jesus. Acrescentando que a beleza da Igreja está nisto: “em sermos uma única família, na qual ninguém é estrangeiro.

“Repito: ninguém é estrangeiro na Igreja, somos um único Povo santo de Deus, rico de tantos povos!”

“E a força do nosso povo sacerdotal e santo está precisamente em fazer da diversidade uma riqueza através da partilha daquilo que somos e temos; a nossa pequenez multiplica-se, se a partilharmos”. Citando a passagem da Palavra de Deus de São Paulo que diz, ‘o mistério de Deus foi revelado a todos os povos’, o Papa disse: “Todo o homem pode ter acesso a Deus, porque – como explica o Apóstolo – todos os povos ‘são admitidos à mesma herança, membros do mesmo corpo e participantes da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho’”.

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Herança e promessa

Em seguida disse que gostaria de sublinhar duas palavras usadas por São Paulo: “Herança e promessa: a herança do passado é a nossa memória, a promessa do Evangelho é o futuro de Deus que vem ao nosso encontro: uma Igreja que caminha na história entre memória e futuro”.

Memória e futuro

“Em primeiro lugar, a memória. Se hoje neste vasto país, multicultural e multirreligioso, podemos ver comunidades cristãs vibrantes e um sentido religioso que permeia a vida da população, deve-se sobretudo à rica história que vos precedeu”. Recomendando em seguida: “No caminho espiritual e eclesial, não devemos perder a lembrança de quantos nos anunciaram a fé, porque fazer memória ajuda-nos a desenvolver o espírito de contemplação pelas maravilhas que Deus operou na história, mesmo no meio das fadigas da vida e das fragilidades pessoais e comunitárias”. Porém, adverte Francisco: “Mas tenhamos cuidado! Não se trata de olhar para trás com nostalgia”.

“Quando se volta para fazer memória, o olhar cristão pretende abrir-nos à estupefação perante o mistério de Deus, enchendo o nosso coração de louvor e gratidão por tudo o que realizou o Senhor”

Sem memória, não há estupefação do Mistério

“É esta memória viva de Jesus que nos enche de maravilha – continuou Francisco – e nos faz tirar sobretudo do Memorial eucarístico a força de amor que nos impele. É o nosso tesouro. Por isso, sem memória, não há estupefação. Se perdemos a memória viva, então a fé, as devoções e as atividades pastorais correm o risco de esmorecer, sendo como fogos de palha que acendem imediatamente mas depressa se apagam”. Concluindo seu pensamento sobre a memória ainda acrescenta: “A fé não é uma bela exposição de coisas do passado, mas um evento sempre atual, o encontro com Cristo que acontece aqui e agora na vida. Por isso não se comunica apenas com a repetição das coisas de sempre, mas transmitindo a novidade do Evangelho. Assim a fé permanece viva e tem futuro”.

Futuro

“E vemos aparecer aqui a segunda palavra: futuro”. Continua Francisco: “a memória do passado não nos fecha em nós mesmos, mas abre-nos à promessa do Evangelho. Jesus garantiu-nos que estaria sempre conosco”. “Apesar das nossas fraquezas, Ele não Se cansa de estar conosco, construindo juntamente conosco o futuro da sua e nossa Igreja”.

Ser pequenos

O Papa fala também dos desafios da fé ao dizer que num país vasto como o Cazaquistão poder-se-ia sentir “pequenos” e inadequados. Contudo, encoraja, “o Evangelho diz que ser pequeno, pobre em espírito, é uma bem-aventurança, a primeira bem-aventurança”. E afirma em seguida: “há uma graça escondida no fato de se constituir uma pequena Igreja, um pequeno rebanho; em vez de exibir as nossas forças, os nossos números, as nossas estruturas e todas as outras formas de relevância humana, deixamo-nos guiar pelo Senhor e colocamo-nos, com humildade, ao lado das pessoas”.

“Ricos de nada e pobres de tudo, caminhamos com simplicidade, próximo das irmãs e irmãos do nosso povo, levando às situações da vida a alegria do Evangelho”

Ponderando o aspecto da pequenez o Pontífice afirma ainda: “Ser pequeno lembra-nos que não somos autossuficientes: que precisamos de Deus, mas também dos outros, de todos eles: das irmãs e irmãos doutras confissões, de quem professa um credo religioso diferente do nosso, de todos os homens e mulheres animados de boa vontade”.

Comunidade aberta ao futuro de Deus

E desejou que a comunidade eclesial do Cazaquistão seja sempre “uma comunidade aberta ao futuro de Deus, abrasada pelo fogo do Espírito: viva, esperançosa, disponível às novidades d’Ele e aos sinais dos tempos, animada pela lógica evangélica da semente que frutifica no amor humilde e fecundo”. “Deste modo – continuou o Papa – abre caminho não só para nós, mas realiza-se também para os outros, a promessa de vida e de bênção que Deus Pai derrama sobre nós por meio de Jesus. E realiza-se sempre que vivemos a fraternidade entre nós, que cuidamos dos pobres e de quem está ferido na vida, sempre que testemunhamos a justiça e a verdade nas relações humanas e sociais, dizendo ‘não’ à corrupção e à falsidade”. Desejando ainda que “as comunidades cristãs, em particular o Seminário, sejam ‘escolas de sinceridade’: não ambientes rígidos e formais, mas ginásios de treino para a verdade, a abertura e a partilha”. Concluindo esse ponto disse ainda:

“A abertura, a alegria e a partilha são os sinais da Igreja primitiva; mas são também os sinais da Igreja do futuro. Sonhemos e, com a graça de Deus, construamos uma Igreja mais habitada pela alegria do Ressuscitado, que rejeite medos e lamentos, que não se deixe endurecer por dogmatismos e moralismos”

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