Mariangela Jaguraba – Vatican News
O Papa Francisco se encontra no Cazaquistão, no âmbito de sua 38ª viagem apostólica internacional. Nesta terça-feira (13/09), o Papa se encontrou com as autoridades, a sociedade civil e o Corpo Diplomático na Qazaq Concert Hall, em Nur-Sultan, capital do Cazaquistão.
Em seu primeiro discurso, o Pontífice reiterou que se encontra nesta “terra tão extensa como antiga, como peregrino de paz à procura de diálogo e de unidade. Disto, tem urgente necessidade o nosso mundo: precisa voltar a encontrar harmonia”.
Segundo o Papa, esta harmonia podemos vê-la representada na dombra, um instrumento musical, tradicional e caraterístico do Cazaquistão, “um emblema cultural e um dos símbolos mais importantes” do país, “a ponto de lhe ter sido dedicado, recentemente, um dia específico”. A dombra, cuja algumas versões eram tocadas já na época medieval, foi o elemento que norteou o discurso de Francisco.
Da memória da reclusão floresceu o cuidado pela inclusão
“Símbolo de continuidade na diversidade”, a dombra “marca a cadência da memória do país e, diante das rápidas mudanças econômicas e sociais em andamento, recorda a importância de não transcurar os laços com a vida de quem nos precedeu, inclusive através das tradições que permitem fazer tesouro do passado e valorizar tudo o que se herdou”.
O Cazaquistão traz impresso “uma gloriosa história de cultura, humanidade e sofrimento” e Francisco recordou os campos de detenção e as deportações em massa, ressaltando que “os cazaques não se deixaram cair reféns destes abusos, mas da memória da reclusão floresceu o cuidado pela inclusão”.
Nesta terra, percorrida desde a antiguidade por grandes deslocamentos de povos, a recordação do sofrimento e das provações vividas seja uma bagagem indispensável para se encaminhar para o futuro, colocando em primeiro lugar a dignidade do homem, de cada homem e de cada grupo étnico, social, religioso.
Voltando à dombra, o Pontífice recordou que é tocada dedilhando suas duas cordas e que “o Cazaquistão se caracteriza pela capacidade de avançar criando harmonia entre «duas cordas paralelas»: temperaturas tão rígidas no inverno como elevadas no verão, tradição e progresso, e as notas de duas almas, a asiática e a europeia, que fazem dele uma permanente missão de ligação entre dois continentes, uma ponte entre a Europa e a Ásia, um elo de união entre o Oriente e o Ocidente”.
Cazaquistão, país do encontro
O Papa lembrou “os cerca de cento e cinquenta grupos étnicos e as mais de oitenta línguas presentes no país, com histórias, tradições culturais e religiosas variegadas”, que “compõem uma sinfonia extraordinária e fazem do Cazaquistão um laboratório multiétnico, multicultural e multirreligioso único, revelando a sua peculiar vocação que é a de ser país do encontro”.
Estou aqui para sublinhar a importância e a urgência deste aspecto, para o qual são chamadas a contribuir de modo particular as religiões; por isso, terei a honra de participar do sétimo Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais. Apropriadamente, a Constituição do Cazaquistão, ao defini-lo como um Estado laico, prevê a liberdade de religião e de crença. Uma laicidade sã, que reconheça o papel precioso e insubstituível da religião e contraste o extremismo que a corrói, representa uma condição essencial para o équo tratamento de todo o cidadão, além de favorecer o sentimento de pertença ao país por parte de todas as suas componentes étnicas, linguísticas, culturais e religiosas. Com efeito as religiões, enquanto desempenham o papel insubstituível de buscar e testemunhar o Absoluto, precisam da liberdade de se expressar. E assim a liberdade religiosa constitui o álveo melhor para a convivência civil.
Abolição da pena de morte no Cazaquistão
A seguir, Francisco manifestou “apreço pela afirmação do valor da vida humana através da abolição da pena de morte”, no Cazaquistão, “em nome do direito à esperança para todo e cada um dos seres humanos”. Recordou a importância de “garantir a liberdade de pensamento, consciência e expressão, para dar espaço ao papel único e paritário que cada um reveste para o conjunto”.
Voltando à dombra, “um instrumento musical popular” que “comunica a beleza de preservar o gênio e a vivacidade de um povo”, o Pontífice frisou que as autoridades civis são as “primeiras responsáveis pela promoção do bem comum, e se realiza de modo especial através do apoio à democracia, que constitui a forma mais adequada para que o poder se traduza em serviço a favor de todo o povo, e não só de alguns”.
Uma boa política feita de escuta do povo
Francisco ressaltou a necessidade de “uma boa política feita de escuta do povo e de resposta às suas legítimas carências, de envolvimento constante da sociedade civil e das organizações não-governamentais e humanitárias, de particular atenção aos trabalhadores, jovens e às faixas mais frágeis; e feita também de medidas para combater a corrupção. Este estilo político realmente democrático é a resposta mais eficaz a possíveis extremismos, personalismos e populismos, que ameaçam a estabilidade e o bem-estar dos povos”.
A seguir, o Papa sublinhou a “necessidade de uma certa segurança econômica, que foi invocada, no início do ano”, no Cazaquistão, “em regiões onde, apesar dos consideráveis recursos energéticos, se sentem várias dificuldades”. Disse ainda que “é missão do Estado, mas também do setor privado, tratar todas as componentes da população com justiça e igualdade de direitos e deveres, e promover o desenvolvimento econômico, não com base no lucro de poucos, mas na dignidade de cada trabalhador”.
Compromisso diplomático a favor do diálogo
Referindo-se pela última vez à dombra, o Papa disse que “esta associa o Cazaquistão a vários países da área circunstante e contribui para difundir a sua cultura no mundo”. Francisco espera que “o nome deste grande país” continue sendo “sinônimo de harmonia e de paz”. Recordou o Papa João Paulo II que foi ao Cazaquistão para “semear esperança logo depois dos trágicos atentados de 2001”.
Por minha vez, chego aqui no curso da louca e trágica guerra originada pela invasão da Ucrânia, enquanto outros confrontos e ameaças de conflito colocam em risco os nossos tempos. Venho para amplificar o clamor de tantos que imploram a paz, caminho de desenvolvimento essencial para o nosso mundo globalizado.
Francisco ressaltou a necessidade “de ampliar o compromisso diplomático a favor do diálogo e do encontro, porque o problema de um é hoje problema de todos, e quem mais poder detém no mundo, maior responsabilidade tem para com os outros, especialmente dos países colocados em maior crise por lógicas conflituais. Precisamos de líderes que, a nível internacional, permitam aos povos compreenderem-se e dialogarem, e gerem um novo «espírito de Helsínquia», a vontade de reforçar o multilateralismo, de construir um mundo mais estável e pacífico pensando nas novas gerações. E, para fazer isto, é preciso compreensão, paciência e diálogo com todos”.
Renúncia às armas nucleares
Pensando no “compromisso global pela paz”, o Papa manifestou “apreço pela renúncia às armas nucleares empreendida com determinação por este país; bem como pelo desenvolvimento de políticas energéticas e ambientais centradas na descarbonização e no investimento em fontes limpas. Junto com a solicitude pelo diálogo inter-religioso, são sementes concretas de esperança plantadas no terreno comum da humanidade, que cabe a nós cultivar para as gerações vindouras; para os jovens, a cujos desejos é preciso olhar ao empreender as decisões de hoje e de amanhã”.
“A Santa Sé está solidária com vocês neste percurso: há trinta anos, logo depois da independência” do Cazaquistão, “foram estabelecidas relações diplomáticas e sinto-me feliz por visitar o país na iminência deste aniversário. Asseguro que os católicos, presentes na Ásia Central desde tempos antigos, desejam continuar testemunhando o espírito de abertura e diálogo respeitoso que caracteriza esta terra”, concluiu Francisco.
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