Certo dia, ao cair de bicicleta, meu filho de três anos cortou a boca e chorou. Eu o acolhi em um abraço, limpei a ferida e me sentei com ele no meu colo. Ele chorava, mas não havia muito mais que eu poderia fazer, além de acolhê-lo. Uma criança alegre, saudável e feliz brincava e, por um descuido, se machucou. Foi então que meu filho pegou minha mão e colocou na ferida, como se eu pudesse simplesmente fazer parar de doer. Mas eu não podia.
Que pai, diante do sofrimento do filho, nunca pediu a Deus que os trocasse de lugar? Que pai nunca orou: “Deus, me põe no lugar do meu filho com um sofrimento muito maior, se necessário for”. Deus entende bem o que desejamos, porque, na condição de Pai misericordioso, viu seus filhos atormentados pelos sofrimentos do pecado e cumpriu esse desejo paterno: Deus se fez homem para Ele mesmo sofrer as dores dos nossos pecados [1].
O profeta Oséias fala sobre o carinho de Deus. A descrição do acolhimento do povo de Israel é assim: “Eu os atraí com laços de bondade, com cordas de amor. Fazia com eles como quem levante até seu rosto uma criança; para dar-lhes de comer, eu me abaixava até eles” [2]. Para demonstrar afeto e companheirismo, é muito comum essa imagem do pai que pega seu filho nos braços e o levanta na altura dos olhos. Esse gesto é uma forma de transmitir o sentimento de amor e acolhimento, de mostrar-se presente, companheiro e atencioso. São tantas outras as formas de nos apresentarmos como companheiros aos nossos filhos que, nesse aspecto, não podemos vacilar. Na companhia do filho, o pai deve expressar verdadeira confiança e disponibilidade para que a criança cresça na certeza de que não está só, não está abandonada, mas tem sempre alguém com quem contar.
O convite do pai ao filho deve ser o mesmo que Jesus faz para nós: “Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos e eu vos darei descanso!” [3]. Essa é a vocação de companheirismo de um pai: cativar a verdadeira confiança do filho. Infelizmente, não nos cabe afastar de nossos filhos todo o sofrimento. Ninguém tem o direito de passar pela vida sem alguma dor. Essa dura realidade realça a tarefa do pai que acolhe o filho, que transmite confiança e a certeza de um descanso, de um amparo. Não é uma vocação que se cumpre apenas com palavras, e sim uma construção ao longo da vida, que se faz com dedicação e companheirismo suficientes para que, na escuridão, sejamos a luz que guia nossos filhos de volta ao lar.
“Eis que estarei contigo até o fim dos tempos” [4] é a promessa de Jesus para nós. E eu estarei sempre com meu filho, essa é a minha vocação de companheirismo. Ainda que surja o medo de errar com ele, de não ser suficiente, de não o compreender, eu sei que, assim como Deus é amoroso e misericordioso comigo, eu serei amoroso e misericordioso com meu filho. Estou certo de que como creio na divina providência, me esforçarei para que meu filho acredite que sempre poderei socorrê-lo. Enquanto meu filho ainda é criança, cabe a ele me pedir autorização para tudo e, na maioria das vezes, apenas na minha companhia ele poderá fazer o que deseja.
Logo, ao tornar-se homem feito, essa autorização não será mais necessária. Quando esse dia chegar, tomara que minha companhia e meu conselho sejam para ele uma opção sincera. Eu quero ser para ele um conselheiro, mesmo quando ele for capaz de decidir por si só. Desejo ser para ele um verdadeiro amigo, além daqueles que a vida irá apresentá-lo. A vocação de companheirismo de um pai é isso: ser uma presença escolhida pela confiança do filho.
Deus viu que seus filhos estavam perdidos e sofriam as dores do pecado. Ele pôde se fazer carne e sofrer a condenação dos pecadores em nosso lugar. Eu não posso ocupar o lugar do meu filho para tomar-lhe os sofrimentos, mas posso transmitir a confiança de que Deus agirá em seu favor sempre que minhas limitações humanas não forem suficientes. É também por isso que eu me empenho na missão evangelizadora, para que a presença de Deus seja sempre constante nos corações das pessoas e que haja sempre alguém disposto a ser instrumento de Deus na vida do meu filho quando, eventualmente, eu não estiver lá.
Que Deus abençoe com sabedoria e ternura todos os pais. Que assim seja!
[1] (1Pd 3, 18); [2] (Os 11, 4); [3] (Mt 11, 28); [4] (Mt 28, 20).
REFERÊNCIAS
BÍBLIA SAGRADA. Tradução da CNBB, 18 ed. Editora Canção Nova.
FRANCISCO. Meditações matutinas na Santa Missa celebrada na Capela da Casa Santa Marta: Carícia de pai. Vaticano, 10 dez. 2015.
FRANCISCO. Audiência Geral. Vaticano, 19 jan. 2022.
FRANCISCO. Meditações matutinas na Santa Missa celebrada na Capela da Casa Santa Marta: Viver em casa sem se sentir em casa. Vaticano, 14 mar. 2020.
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