“A Igreja será testemunha tanto mais credível do Evangelho quanto mais os seus membros viverem a comunhão, criando ocasiões e espaços para que toda a pessoa que se aproxima da fé encontre uma comunidade acolhedora, que saiba ouvir e entrar em diálogo, promova uma boa qualidade das relações (…). Trata-se de viver numa comunidade cristã que se torne escola de humanidade, onde se aprende a querer-se bem como irmãos e irmãs, dispostos a trabalhar, juntos, pelo bem comum.”
A Catedral Basílica de Notre-Dame, em Québec, foi o local escolhido para o encontro do Papa com bispos, sacerdotes, diáconos, seminaristas e vida consagrada canadense para a celebração das Vésperas. Nela, está sepultado São Francisco de Laval, primeiro bispo e fundador do seminário de Québec e canonizado pelo próprio Francisco em 3 de abril de 2014.
O Papa começou sua longa e articulada homilia inspirado na breve leitura de I Pd 5, 1-4. À exemplo do Bom Pastor, cuidar do rebanho com dedicação e ternura, não à força, mas de boa vontade, “não como um dever, não como assalariados religiosos ou funcionários do sagrado, mas com coração de pastores, com entusiasmo”. E assim, com os olhos voltados para Ele, “descobrimos que somos guardados com ternura, sentimos a proximidade de Deus”, e disto “nasce a alegria do ministério e, antes ainda, a alegria da fé”.
Não “uma alegria fácil, como aquela que o mundo às vezes nos oferece iludindo-nos com fogos de artifício”, nem aquela ligada a riquezas e seguranças; “nem sequer à persuasão de que tudo nos correrá sempre bem na vida, sem cruzes nem problemas.” A alegria cristã “está unida a uma experiência de paz, que permanece no coração mesmo quando somos atingidos por dificuldades e aflições, porque sabemos que não estamos sozinhos, mas acompanhados por um Deus que não fica indiferente à nossa sorte. Como quando o mar está agitado: à superfície é tempestuoso, mas em profundidade permanece calmo e tranquilo. Assim é a alegria cristã”.
Assim sendo, podemos nos perguntar “como vai a nossa alegria? A nossa Igreja expressa a alegria do Evangelho? Na nossa comunidade, existe uma fé que atrai pela alegria que comunica?”
Para responder a tais questões – disse o Papa – “não podemos deixar de refletir sobre o que, na realidade do nosso tempo, ameaça a alegria da fé com o risco de a obscurecer, pondo seriamente em crise a experiência cristã.” Pensa-se então na secularização, “que já há muito transformou o estilo de vida das mulheres e homens de hoje, deixando Deus quase no último lugar (…), sua Palavra já não parece uma bússola de orientação para a vida, para as opções fundamentais, para as relações humanas e sociais.”
Porém, chama a atenção, deve-se fazer um esclarecimento: “Quando observamos a cultura em que estamos imersos, as suas linguagens e os seus símbolos, é preciso estarmos atentos para não ficar prisioneiros do pessimismo e do ressentimento, deixando-nos cair em juízos negativos ou em inúteis nostalgias.”
Neste sentido, são possíveis dois olhares a respeito do mundo em que vivemos: de um lado, um «olhar negativo»; do outro, o «olhar que discerne».
Mas em vez disso – recordou Francisco – “somos chamados a ter um olhar semelhante ao de Deus, que sabe distinguir o bem e é obstinado a procurá-lo, vê-lo e alimentá-lo. Não é um olhar ingênuo, mas um olhar que discerne a realidade”. E para afinar o nosso discernimento sobre o mundo secularizado, devemos nos deixar inspirar pelo que escreveu São Paulo VI na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi “para ele, a secularização é «o esforço, em si mesmo justo e legítimo e não absolutamente incompatível com a fé ou com a religião», por descobrir as leis da realidade e da própria vida humana estabelecidas pelo Criador:
Assim, compete a nós, como Igreja e sobretudo como pastores do Povo de Deus e agentes pastorais, saber fazer estas distinções, discernir: “Se cedermos ao olhar negativo e julgarmos de forma superficial, arriscamo-nos a fazer passar uma mensagem errada, como se, por trás da crítica da secularização, houvesse da nossa parte a nostalgia dum mundo sacralizado, duma sociedade doutros tempos onde a Igreja e os seus ministros tinham mais poder e relevância social.” E esta, afirma o Papa, “é uma perspetiva errada”.
Ao contrário, como observa um grande estudioso destes temas, o problema da secularização, para nós cristãos, não deve ser o da menor relevância social da Igreja ou da perda de riquezas materiais e privilégios; antes, aquela pede-nos para refletir sobre as mudanças da sociedade, que influíram sobre o modo como as pessoas pensam e organizam a vida.
Olhando sob esta ótica, “damo-nos conta de não ser a fé que está em crise, mas certas formas e modos com que a anunciamos. Por isso a secularização é um desafio para a nossa imaginação pastoral, é «a ocasião para a recomposição da vida espiritual em novas formas e para novas maneiras de existir».
Assim, “o olhar que discerne, ao mesmo tempo que nos mostra as dificuldades que temos na transmissão da alegria da fé, estimula-nos a encontrar uma nova paixão pela evangelização, procurar novas linguagens, mudar algumas prioridades pastorais, ir ao essencial.”
Existe a necessidade de anunciar o Evangelho, “para dar aos homens e mulheres de hoje a alegria da fé”, disse o Papa. “Mas este anúncio não se realiza primariamente por palavras, mas através dum testemunho transbordante de amor gratuito, como Deus faz conosco. É um anúncio que pede para se encarnar num estilo de vida pessoal e eclesial que possa fazer reacender o desejo do Senhor, infundir esperança, transmitir confiança e credibilidade.
A este propósito, “com espírito fraterno” Francisco propôs três desafios a serem desenvolvido na oração e no serviço pastoral. O primeiro deles, é fazer Jesus conhecido:
Mas, para anunciar o Evangelho, é preciso também sermos credíveis. E aqui está o segundo desafio, o testemunho:
Mas para derrotar esta cultura da exclusão – chamou a atenção o Papa – devemos começar por nós mesmos:
Por fim, o terceiro desafio: a fraternidade.
Isto é, “trata-se de viver numa comunidade cristã que se torne escola de humanidade, onde se aprende a querer-se bem como irmãos e irmãs, dispostos a trabalhar, juntos, pelo bem comum. De fato, no coração do anúncio evangélico, está o amor de Deus, que transforma e torna capaz de comunhão com todos e de serviço a todos (…). A Igreja é chamada a encarnar este amor sem fronteiras, para construir o sonho que Deus tem para a humanidade: serem todos irmãos”:
Esses – recordou- são apenas alguns desafios, e não devemos nos esquecer “de que só podemos levá-los por diante com a força do Espírito, que sempre devemos invocar na oração. Não deixemos, porém, entrar em nós o espírito do secularismo, pensando que podemos criar projetos que funcionam sozinhos e com as simples forças humanas, sem Deus. E – uma recomendação ainda – não nos fechemos no «retrogradismo», mas avancemos, com alegria!”
Ao concluir, o Papa convidou a colocar em prática estas palavras dirigidas a São Francisco de Laval:
Fostes o homem da partilha, visitando os doentes,
vestindo os pobres, lutando pela dignidade das populações originárias,
apoiando os missionários cansados,
sempre pronto a estender a mão a quem estava pior do que vós.
Quantas vezes os vossos projetos foram derrubados!
Uma vez e outra voltastes a pô-los de pé.
Compreendestes que a obra de Deus não é de pedra,
e que, nesta terra de desânimo,
havia necessidade dum construtor de esperança.
Agradeço-vos tudo o que fazeis e de coração vos abençoo. Por favor, continuai a rezar por mim.
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