“Não aprendemos! Que o Senhor tenha piedade de nós, de todos nós, todos nós somos culpados”! O Papa Francisco com os jornalistas no voo de retorno de Malta, depois de recordar o que o impressionou sobre a acolhida da ilha, retorna a falar sobre a guerra.

Obrigado por sua presença em Malta, minha pergunta é sobre a surpresa desta manhã na capela onde está enterrado São Giorgio Preca. O que o motivou a fazer esta surpresa aos malteses e o que se recordará desta visita a Malta. E ainda, como está sua saúde? Nós o vimos durante esta viagem muito intensa. Correu tudo bem, digamos. Muito obrigado.

A minha saúde é um pouco caprichosa, tenho este problema com meu joelho que traz problemas na caminhada,  é um pouco chato, mas está melhorando, pelo menos eu posso andar. Duas semanas atrás, eu não podia fazer nada.  É uma coisa lenta, vamos ver se melhora, mas há a dúvida de que nesta idade você não sabe como isso vai acabar, vamos esperar que corra tudo bem. E depois sobre Malta: fiquei feliz com a visita, vi as realidades de Malta, vi um entusiasmo impressionante do povo, seja em Gozo, seja em Malta La Valletta e nos outros lugares. Um grande entusiasmo nas ruas me surpreendeu, foi um pouco breve, o problema que eu vi para vocês e também um dos problemas é a migração. O problema dos migrantes é sério porque Grécia, Chipre, Malta, Itália, Espanha, são os países mais próximos da África e do Oriente Médio e aterrissam aqui, eles chegam aqui, os migrantes devem ser sempre acolhidos!

O problema é que cada governo tem que dizer quantos podem receber normalmente para viver ali. Para isso você precisa de um acordo com os países da Europa e nem todos eles estão dispostos a receber os migrantes. Esquecemos que a Europa foi feita por migrantes, certo? Mas é assim que as coisas são, mas pelo menos não deixar todo o peso para esses países vizinhos que são tão generosos, e Malta é um deles. Hoje eu estive no centro de acolhida de migrantes e as coisas que ouvi lá são terríveis, o sofrimento dessas pessoas para chegar aqui e depois os lagers, há lagers, que estão na costa líbica, quando são mandadas de volta. Isso parece criminoso, não parece? É por isso que eu acho que é um problema que toca o coração de todos. Assim como a Europa está abrindo espaço tão generosamente para os ucranianos que batem à porta, assim também para os outros que vêm do Mediterrâneo. Este é um ponto com o qual terminei a visita e me tocou muito, porque ouvi os testemunhos, os sofrimentos que são mais ou menos como aqueles que eu acho que lhes disse que estão naquele pequeno livro que saiu, “Hermanito” em espanhol, “Irmãozinho”, e toda a Via-Sacra destas pessoas. Um que falou hoje teve que pagar quatro vezes, peço-lhes que pensem sobre isto. Obrigado

Jorge Antelo Barcia (RNA)

No voo que nos levou a Malta, o senhor disse a um colega que uma viagem a Kiev estava sobre a mesa e já em Malta fez referências à sua proximidade ao povo ucraniano, e na sexta-feira em Roma o presidente da Polônia deixou a porta aberta para uma viagem à fronteira com a Polônia. Hoje ficamos impressionados com as imagens vindas de Bucha, uma localidade perto de Kiev, abandonada pelo exército russo, onde os ucranianos encontraram dezenas de cadáveres jogados na rua, alguns com as mãos atadas, como se tivessem sido “executados”. Parece que hoje sua presença ali seja cada vez mais necessária. O senhor acha que uma viagem como esta é possível? E quais condições teriam que ser cumpridas para que o senhor fosse lá?

Obrigado por me dar esta notícia de hoje que eu ainda não sabia. A guerra é sempre uma crueldade, uma coisa desumana, que vai contra o espírito humano, eu não digo cristão, humano. É o espírito de Caim, o espírito ‘Caimista’… Estou disposto a fazer tudo o que precisa ser feito, e a Santa Sé, especialmente o lado diplomático, o cardeal Parolin e dom Gallagher, estão fazendo tudo, mas tudo, não se pode publicar tudo o que eles fazem, por prudência, por confidencialidade, mas estamos no limite do nosso trabalho. Entre as possibilidades está a viagem: há duas viagens possíveis: uma delas me pediu o presidente da Polônia para enviar o cardeal Krajewski para visitar os ucranianos que foram recebidos na Polônia. Ele já foi duas vezes, levou duas ambulâncias e ficou com eles, mas fará isso em outra ocasião, ele está disposto a fazer isso. A outra viagem que alguém me perguntou, mais de um, eu disse com sinceridade que eu tinha em mente de fazê-la, que há sempre a minha disponibilidade, não há o não, eu estou disponível. O que pensa sobre uma viagem, a pergunta era assim: “ouvimos dizer que o senhor estava pensando em uma viagem à Ucrânia”, eu disse que ela está sobre a mesa, está ali como uma das propostas que chegaram, mas não sei se poderá ser feita, se é conveniente fazê-la e se seria para o melhor ou se é conveniente fazê-la e devo fazê-la, tudo isso está no ar. Depois há tempo, se tinha pensado em um encontro com o Patriarca Kirill, se está trabalhando para isso, se está trabalhando, e está se pensando no Oriente Médio para fazê-lo, estas são as coisas como elas são agora.

Gerry O’Connel (America Magazine)

Durante esta viagem, o senhor várias vezes falou da guerra. A pergunta que todos fazem desde o início da guerra é se o senhor falou com o presidente Putin e se não, o que lhe diria hoje? 

As coisas que disse às autoridades de cada lado são públicas. Nada do que disse é reservado para mim. Quando falei com o Patriarca, ele depois fez uma bela declaração daquilo que dissemos. Falei com o presidente da Rússia no final do ano, quando ele me ligou para as felicitações. Falei duas vezes com o presidente da Ucrânia. Depois, no primeiro dia de guerra pensei que deveria ir à embaixada russa para falar com o embaixador, que é o representante do povo e fazer minhas perguntas e dizer as minhas impressões sobre o caso. Estes foram os contatos oficiais que tive. Com a Rússia, fiz através da embaixada. Também falei com o arcebispo-mor de Kiev, Dom Schevchuck. Falei ainda com regularidade a cada dois ou três dias com um de vocês, Elisabetta Piqué, que estava em Lviv e agora está em Odessa. Ela me diz como estão as coisas. Falei também com o reitor do seminário. Mas como disse, estou em contato também com um de vocês. Falando deste tema, gostaria de dar os meus pêsames pelos colegas de vocês que morreram. Estejam de que parte estejam, não interessa. Mas o trabalho de vocês é pelo bem comum e essas pessoas morreram em serviço pelo bem comum. Pela informação. Não nos esqueçamos deles. Foram corajosos e eu rezo por eles para que o Senhor lhes dê o prêmio pelo seu trabalho. Estes foram os contatos feitos até agora.

Mas qual seria a mensagem para Putin se tivesse a possibilidade (de falar com ele)?

As mensagens que dei a todas as autoridades são as que fiz publicamente. Não tenho linguagem dupla. Faço sempre o mesmo. Creio que na sua pergunta exista também uma dúvida sobre guerras justas e injustas. Toda guerra nasce de uma injustiça, sempre. Porque há o esquema da guerra. Não há o esquema da paz. Por exemplo, fazer investimentos para comprar as armas. Dizem: mas precisamos delas para nos defender. Este é o esquema da guerra. Quando Segunda Guerra Mundial acabou, todos respiraram o “nunca mais a guerra” e a paz. Começou uma onda de trabalho pela paz também com a boa vontade de não dar as armas, as armas atômicas naquele momento, pela paz, depois de Hiroshima e Nagasaki. Havia uma grande boa vontade.

Setenta anos depois, esquecemos tudo isso. É assim que o esquema da guerra se impõe. Havia muitas esperanças no trabalho das Nações Unidas na época. Mas o esquema de guerra se impôs mais uma vez. Nós não podemos pensar outro esquema, não estamos mais acostumados a pensar no esquema da paz. Houve grandes personagens, como Ghandi e outros que menciono no final da encíclica “Fratelli tutti”, que apostaram no esquema da paz. Mas nós fomos teimosos como humanidade. Somos apaixonados pelas guerras, pelo espírito de Caim. Não por acaso, no início da Bíblica há este problema: o espírito “caimista” de matar ao invés do espírito da paz. Pai, não se pode! Conto algo pessoal de quando estive em 2014 em Redipuglia e vi os nomes dos jovens, eu chorei. Realmente chorei de amargura. Depois, um ou dois anos depois, para o dia de Finados fui celebrar em Anzio e vi os nomes dos jovens mortos ali. Todos jovens e também ali chorei. Realmente. É preciso chorar sobre os túmulos. Há algo que respeito porque existe um problema político. Quando houve a celebração do desembarque na Normandia, os chefes de Estado se reuniram para comemorar. Mas não lembro se alguém citou os 30 mil jovens que ficaram ali na praia. A juventude não conta. Isso me faz pensar. Estou entristecido. Não aprendemos. Que o Senhor tenha piedade de nós, de todos nós. Todos somos culpados!

Vatican News

Neste domingo, 3, o Papa Francisco deu prosseguimento a sua “breve mas bela” viagem à República de Malta. Depois da oração na Gruta e Basílica de São Paulo em Rabat, foi a vez de encontrar os fiéis malteses para a Missa na Praça dos Celeiros, em Floriana.

Perdão e misericórdia: na homilia, inspirada no episódio da mulher adúltera narrada no Evangelho de João, o Papa recorda que ela “conheceu a misericórdia na sua miséria e volta curada pelo perdão de Jesus”, o que nos sugere, como Igreja, “que principiemos de novo a frequentar a escola do Evangelho, a escola do Deus da esperança que sempre nos surpreende”, pois se imitarmos Jesus, “não seremos levados a concentrar-nos na denúncia dos pecados, mas a sair amorosamente à procura dos pecadores.”

Dirigindo-se aos cerca de 20 mil fiéis e representantes de diversas religiões presentes na celebração, o Papa começa explicando que as pessoas procuram Jesus para escutá-lo, pois “sua doutrina não é abstrata, toca a vida e liberta-a, transforma-a, renova-a”, o que revela o “faro do povo de Deus”, “que não se contenta com o templo feito de pedras, mas reúne-se à volta da pessoa de Jesus”.

Mas havia alguns ausentes: a mulher – uma pessoa perdida, extraviada procurando a felicidade por caminhos errados -, e seus acusadores, os escribas e fariseus, que “pensam que já sabem tudo, não precisam do ensinamento de Jesus”.

A traça da hipocrisia e o vício de apontar o dedo

Os acusadores da mulher adúltera – explica Francisco – são aqueles que se vangloriam de “observadores da lei de Deus, pessoas regradas e justas. Não se preocupam com os próprios defeitos, mas mostram-se muito atentos na descoberta dos alheios”, ou seja, procuram Jesus não para escutá-lo, mas para encontrarem um motivo de queda para acusá-lo:

É um intento que fotografa a interioridade destas pessoas cultas e religiosas, que conhecem as Escrituras, frequentam o templo, mas subordinam tudo isto aos próprios interesses e não combatem os pensamentos maus que se agitam no seu coração. Aos olhos do povo, parecem peritos de Deus, e contudo não reconhecem Jesus; antes pelo contrário, veem-No como um inimigo que precisam de eliminar. Para o conseguir, colocam diante d’Ele uma pessoa, como se fosse uma coisa, chamando-a desdenhosamente «esta mulher» e denunciando publicamente o seu adultério. Pressionam para que a mulher seja apedrejada, derramando sobre ela a aversão que eles sentem pela compaixão de Jesus. E fazem tudo isto sob o manto da sua fama de homens religiosos.

Esse fato, explica Francisco, mostra que mesmo na nossa religiosidade “se podem insinuar a traça da hipocrisia e o vício de apontar o dedo; e isto a todo o momento, em qualquer comunidade”:

Há sempre o perigo de entender mal Jesus, ter o seu nome nos lábios, mas negá-Lo nas obras. E pode-se fazê-lo mesmo quando se levantam estandartes com a cruz.

A misericórdia é o coração de Deus

“Então – pergunta  o Papa – como saber se somos discípulos na escola do Mestre?” “Pelo nosso olhar – responde – pelo modo como olhamos para o próximo”, que pode ser como o faz Jesus, com misericórdia, ou como os acusadores do Evangelho, de forma acusatória e com desdenho:

Na realidade, quem julga defender a fé apontando o dedo contra os outros, até pode possuir uma visão religiosa, mas não adota o espírito do Evangelho, porque esquece a misericórdia, que é o coração de Deus.

Pobreza interior, tesouro mais precioso do homem

Mas para compreender se somos verdadeiros discípulos do Mestre, “é preciso verificar também como olhamos para nós mesmos”. Os acusadores de que fala o Evangelho julgam não ter nada para aprender, sua aparência externa é perfeita, “mas falta a verdade do coração”:

São a figura dos crentes de cada época que fazem da fé um elemento de fachada, onde sobressai o aspeto exterior solene, mas falta a pobreza interior, que é o tesouro mais precioso do homem. De fato, para Jesus o que conta é a abertura disponível de quem não se sente perfeito, mas necessitado de salvação.

Jesus busca a verdade do coração

Neste sentido, “quando estivermos em oração e mesmo quando tomarmos parte em belas cerimônias religiosas, será bom perguntarmo-nos se estamos sintonizados com o Senhor”, perguntando a Ele: «Jesus, estou aqui convosco, mas Vós que quereis de mim? Que quereis que mude no meu coração, na minha vida? Como quereis que veja os outros?».

Perguntas de grande valia, “porque o Mestre não Se satisfaz com a aparência, mas busca a verdade do coração. E quando Lhe abrimos de verdade o coração, Jesus pode operar maravilhas em nós.” E isso, acontece com a mulher adúltera, “sua situação parece irremediável, mas aos seus olhos abre-se um horizonte novo, inconcebível”:

Coberta de insultos, pronta a receber palavras implacáveis e severos castigos, com maravilha vê-se absolvida por Deus, que lhe abre de par em par um futuro inesperado: «Ninguém te condenou? – diz-lhe Jesus – Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar». Que diferença entre o Mestre e os acusadores! Estes citaram a Escritura para condenar; Jesus, Palavra de Deus em pessoa, reabilita completamente a mulher, restituindo-lhe a esperança.

Pecados e fracassos, ocasião para vida nova sob o signo da misericórdia

Este caso, diz o Papa, nos ensina “que qualquer advertência, se não for movida pela caridade e não contiver caridade, afunda ainda mais quem a recebe. Deus, pelo contrário, deixa sempre aberta uma possibilidade e sabe encontrar, todas as vezes, caminhos de libertação e salvação”:

A vida daquela mulher muda graças ao perdão. Apetece-me pensar que, perdoada por Jesus, ela por sua vez aprendeu a perdoar. Talvez passasse a ver os seus acusadores, já não como pessoas rígidas e perversas, mas como aqueles que lhe permitiram encontrar Jesus. O Senhor quer que também nós, seus discípulos, nós como Igreja, perdoados por Ele, nos tornemos testemunhas incansáveis de reconciliação: testemunhas dum Deus para o Qual não existe a palavra «irrecuperável»; dum Deus que sempre perdoa, continua a crer em nós e todas as vezes dá a possibilidade de recomeçar. Não há pecado ou fracasso que, levados a Ele, não possam tornar-se ocasião para começar uma vida nova, diferente, sob o signo da misericórdia.

Deus nos visita através das nossas chagas interiores

O Senhor Jesus é assim, diz o Santo Padre. Bem o sabe, quem fez experiência do seu perdão, como por exemplo a mulher do Evangelho, que descobre “que Deus nos visita através das nossas chagas interiores: é sobretudo nestas que o Senhor prefere fazer-Se presente, pois não veio para os sãos, mas para os doentes”:

E hoje esta mulher, que conheceu a misericórdia na sua miséria e volta curada pelo perdão de Jesus, sugere-nos, como Igreja, que principiemos de novo a frequentar a escola do Evangelho, a escola do Deus da esperança que sempre nos surpreende. Se O imitarmos, não seremos levados a concentrar-nos na denúncia dos pecados, mas a sair amorosamente à procura dos pecadores. Não ficaremos a contar os presentes, mas iremos em busca dos ausentes. Não voltaremos a apontar o dedo, mas começaremos a pôr-nos à escuta. Não descartaremos os desprezados, mas olharemos como primeiros aqueles que são considerados últimos. Isto é o que Jesus nos ensina hoje com o exemplo. Deixemo-nos surpreender por Ele. Acolhamos com alegria a sua novidade.

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