Ontem à noite, quando nos reunimos em família para rezar o terço, conversamos com nossos filhos acerca da penitência que cada um era convidado a viver nessa Quaresma. Cada um falou da sua, mas Daniel, que tem sete anos, teve mais dificuldade para escolher o que fazer, até que disse que procuraria ser menos “irritante”. Creio que ele estava querendo dizer menos “irritado”, apesar de que ele nem é irritante nem irritado, mas um menino bastante doce que, como todos nós, tem seus momentos.
Não devemos passar a Quaresma de qualquer jeito, sem um plano, um projeto de vida, mas não podemos esquecer o porquê de estabelecermos essa ou aquela mortificação, prática de oração ou de caridade. O que quer que façamos deve ser movido pelo desejo de amar mais a Cristo. Na verdade, em tudo que faz, um cristão deve ser movido pelo amor a Cristo e pelo desejo de crescer nesse amor.
Assim, seria totalmente sem sentido você acordar na madrugada para rezar como parte dos seus propósitos quaresmais e passar o dia “irritado” ou “irritante” por causa do sono. O mesmo se aplica para as mortificações relacionadas à alimentação: ninguém deve ser vítima da sua fome, do seu estômago vazio. Não estou defendendo que você não faça propósitos ou que você “pegue leve”, escolhendo mortificações que não mortifiquem, penitências que não sejam exigentes. Se você se sentiu movido a acordar na madrugada, força!
Levante-se cedo e reze. Se foi inspirado a visitar os doentes, rezar nos hospitais, rezar o rosário de joelhos, abster-se desse ou daquele alimento, faça tudo o que o Espírito Santo lhe inspirar. Lembre-se, contudo, que seus propósitos quaresmais devem ajudá-lo a ser mais doce, mais afável, mais paciente, não o contrário. Por isso, a cada ronco na barriga provocado pelo jejum, a cada bocejo, a cada pontada de mau humor que apareça, renove a intenção daquele ato, daquela penitência:
“É por amor a Ti, Jesus, que faço isso, é porque quero te amar mais. Não é pela penitência e si, não é para me maltratar, não é para parecer melhor do que sou, pois sou um miserável. É para te amar mais, porque seu amor me constrange, porque ao olhar para a cruz quero unir- me a Ti. Esse pouco, esse nada que sofro, Jesus, é realmente nada perto do que sofreste na cruz, mas sei que amaste muito mais do que sofreste. Como diz São João de Ávila, “as vossas dores físicas foram apenas uma faísca que saiu daquela grande fornalha de imenso amor”, por isso quero mergulhar nesse amor, envolver-me nele, ser consumido por ele, viver nele. Não quero outra coisa que não o seu amor, Senhor!” Mesmo quando a intenção da penitência seja o fim de uma guerra, a conversão de uma pessoa, a salvação das almas, antes de tudo deve haver o desejo de amar mais a Cristo. Se quero que as almas se salvem é porque amo a Cristo, se quero que tal pessoa se converta porque a amo, amo-a em primeiro lugar por causa do meu amor a Cristo. Como diz São Francisco de Sales, “ou amar ou morrer! Morrer a qualquer outro amor para viver no amor de Cristo”.
A Quaresma, com seus propósitos, é um convite perene para olhar para a cruz e, como Santo Afonso Maria de Ligório, exclamar: “Ó amor, ó amor, ó amor!” É da cruz que tudo nasce, porque o amor que Cristo tem por nós ali expressado nos constrange, como diz São Paulo. O mesmo Santo Afonso nos diz que ao olhar para a cruz devemos meditar não tanto o que Cristo sofreu, mas sim o amor que Ele mostrou nos seus sofrimentos, que nos obriga e nos força a amá-Lo.
Nessa Quaresma, não sonhe pequeno. Não queira apenas fazer uma penitência ou uma mortificação. Não queira apenas chegar ao Domingo de Páscoa orgulhoso de ter sido fiel à oração do Rosário, da Via-Sacra ou a esta ou aquela mortificação. Queira tudo isso, mas, principalmente, deseje chegar ao fim dessa caminhada muito mais apaixonado por Cristo. São Josemaria Escrivá traduz bem o espírito que deve nos guiar: precisamos querer amar Jesus “com toda a força de todos os corações de todos os homens que mais o tenham amado”. E ele completa seu conselho com uma audácia que não nos deve assustar: em minhas orações, devo dizer a Cristo que estou “mais louco por Ele que Maria Madalena, mais que Teresa e Teresinha… Mais apaixonado que Agostinho e Domingos e Francisco, mais que Inácio e Xavier”.
Cada propósito, cada renúncia, cada sacrifício nessa Quaresma conduza-o a um amor maior por Cristo, que transborde naqueles que estão ao seu redor, traduzido em paciência, doçura, compreensão e misericórdia. Que aqueles que o virem agir possam dizer que você tem o coração ferido pelo amor de Jesus.
Boa Quaresma!
Vatican News