O espelho é um objeto carregado de simbolismo, porque permite que o ser humano realize um dos seus maiores anseios interiores: conhecer a si próprio, ver a si mesmo com detalhes, examinar-se e descobrir sobre si coisas que de outro modo seriam impossíveis de perceber. Não é à toa que há tantas histórias contando sobre a relação especial entre pessoas e espelhos. Todas elas revelam, de alguma forma, um pouco sobre nós.
Narciso viu a própria imagem refletida na água do lago e apaixonou-se por ela, porque era um jovem bastante belo. Quantas vezes caímos nessa armadilha! Ficamos tão encantados com nosso próprio reflexo que só vemos beleza, e nos tornamos incapazes de reconhecer nossas misérias. Narciso era orgulhoso, vaidoso, arrogante, mas não sabia disso, porque estava concentrado em olhar apenas o que era positivo – a beleza dos seus traços.
Sua história é contada de outra forma por Oscar Wilde, em O retrato de Dorian Gray, um jovem que ficou tão apaixonado pelo retrato pintado por um amigo que se encheu de tristeza por imaginar que um dia ele iria envelhecer, mas o quadro permaneceria belo. Seu maior medo – e o que o levou à ruína – foi ver suas próprias misérias. Não parece muito diferente de nós, que tantas vezes até vergonha de buscar a confissão temos, pela humilhação que representa expor nossas vileza e indignidade.
Cuidado com espelhos falsos
Um passo adiante nessa forma distorcida de autoconhecimento é o espelho mágico da rainha má de Branca de Neve, um símbolo magno da inveja. Muitas vezes, não só nos convencemos das nossas virtudes, das nossas qualidades, mas nos incomoda imaginar que alguém possa ser melhor do que nós. Fulano sofre? Muito mais sofro eu! Alguém se mostra compassivo diante de uma situação? Aquilo me dá raiva, porque eu não consigo ser igual.
Há muitos outros espelhos falsos, mentirosos como esses que citei, mas não caberiam nesse texto.
Há um único espelho verdadeiro, que não falha, que nos revela quem somos, mas para o qual não queremos olhar: a Cruz.
Ao espelho mágico dizemos: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais belo do que eu?”. Diante da Cruz, exclamamos, com São Paulo: “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior”.
A cruz é o exemplo
O retrato de Dorian Gray tornou-se desfigurado, horrendo, porque assumiu as imundícies e misérias daquele jovem para que ele pudesse continuar praticando toda sorte de mal enquanto mantinha a aparência bela e pura. Na Cruz, Cristo aparece desfigurado, destruído, odioso aos olhos humanos porque assumiu nossas misérias e pecados para nos salvar, para que o homem velho que habita em nós fosse vencido e desse espaço ao homem novo, lavado, puro, belo e sem manchas.
“Reclamo para mim o sofrimento.
Meu amor, meus desejos são de cruz…
Para ajudar a salvar uma só alma,
Mil vezes gostaria de morrer!…”
Volte seus olhos para o espelho da cruz
Quanta sede temos de saber quem somos, de descobrir nossos talentos, “desbloquear nosso potencial”, “mudar nosso mindset”! Em primeiro lugar, entretanto, devemos buscar encontrar Deus, que está em nós, porque dele viemos e nele nos encontramos. Todo autoconhecimento sem Deus nos levará a alguma armadilha: ou seremos aprisionados pela vaidade, como Narciso, ou pela inveja, como a Rainha Má, ou seremos totalmente tomados pela perversidade, como Dorian Gray.
O espelho da Cruz é desafiador, porque seu reflexo nos mostra um Jesus crucificado, humilde, manso, sofredor…
O espelho da Cruz não mente para nós. Sim, por ele enxergamos nossas misérias, nossa indignidade, mas a primeira coisa que vemos é Deus esmagado, ferido e humilhado por amor a nós.
O espelho da Cruz é o melhor tratamento de cura interior e libertação de todo jugo que nos oprime.
O espelho da Cruz é a grande declaração de amor de Deus para cada um de nós.
Pelo espelho da Cruz, Deus nos diz:
“Alma, buscar-te-ás em Mim.
E a Mim buscar-me-ás em ti”.
Canção Nova