“Fraternidade e diálogo, compromisso de amor”, tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 (CFE-2021), desafio e meta exigentes no horizonte de todos os cristãos, oportuna interpelação para o percurso do tempo da Quaresma. A Igreja Católica no Brasil, há quase 60 anos, desde 1964, promove a Campanha da Fraternidade, projetando luzes sobre a vida em sociedade. A partir dos anos 2000, algumas edições da Campanha da Fraternidade passaram a ser organizadas de modo ecumênico, reunindo as Igrejas Cristãs representadas no Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic). A realização das Campanhas da Fraternidade Ecumênicas nasceu de uma decisão soberana da instância maior da CNBB, a sua Assembleia Geral dos Bispos. Um gesto evangélico e fraterno, considerando o desejo de Jesus Mestre, que ora ao Pai pedindo que todos sejam um. O Ecumenismo é uma tarefa missionária, exigente e inegociável, que a Igreja Católica recebeu do Concílio Vaticano II. O compromisso é investir na restauração da unidade entre todos os cristãos, pois o Senhor Jesus fundou apenas uma Igreja.

Investir no diálogo e na fraternidade

Não se pode descurar, em nome de uma fidelidade inconsistente ou por posturas que revelam rigidez, a realidade da fé cristã. Somos todos discípulos do mesmo Mestre e Senhor, embora, não raramente, os caminhos diferentes que são tomados levem pessoas a agirem como se o próprio Cristo estivesse dividido. Justamente por existirem diferentes caminhos e perspectivas a respeito da fé, é preciso investir no diálogo e na aproximação fraterna. Isto não significa negociar a verdade da própria fé, mas, ao contrário, é abrir-se à superação de divisões que contradizem a vontade de Cristo. As divisões entre os cristãos representam um escândalo para o mundo, como afirma o Concílio Vaticano II. Prejudica o anúncio do Evangelho a toda criatura, comprometendo a conquista da unidade. Consequentemente, as divisões atrapalham o cultivo dos valores do Reino de Deus na sociedade. A realidade brasileira, que reúne tantos cristãos, mas vergonhosamente é ferida pela desigualdade social – contramão dos valores do Evangelho – comprova os males da divisão entre os que professam a fé em Jesus. Evidencia que é preciso percorrer longo caminho de conversão para edificar a justiça, a paz e a solidariedade.

A luz forte e interpelante do tempo quaresmal deve ser projetada sobre um mundo fechado e em sombras, para contribuir com a geração de um “mundo aberto”, conforme pede o Papa Francisco na sua Carta Encíclica Fratelli Tutti. A construção dessa nova realidade aberta inclui o tratamento do contexto sociopolítico e cultural altamente comprometido, mobilizando diferentes leituras e interpretações, a partir de variados lugares, sem jamais negociar os princípios inegociáveis da doutrina da fé. Esses princípios exigem autenticidade do testemunho evangélico, sem subjetivismos narcisistas, ódios, notícias falsas e ataques na contramão da caridade cristã. Assim, a delicadeza de Deus pela oportunidade da Quaresma é mais do que simplesmente ritos celebrados. Trata-se de oportunidade para renovar o coração a partir do amor de Deus. Para isso, é importante buscar adequada compreensão da realidade, sem misturar conceitos, sem se julgar “dono da verdade”.

A unidade é o desejo do Mestre

Devem ser buscados entendimentos à luz da fé, mas sem promover entrincheiramentos que afrontam a unidade. A unidade é o desejo do Mestre dos discípulos. A luz luzente do tempo quaresmal, para quem escancara as portas de sua interioridade, é o caminho para corrigir os descompassos de escritos, pronunciamentos e posturas que rompem
com a unidade. Verdadeiramente vive a Quaresma quem aceita o convite para intensa reflexão e revisão da própria vida. Um exercício a ser vivido na presença de Jesus. Sublinha amorosamente o Papa Francisco que o Senhor Jesus nos convida a caminhar com Ele pelo deserto rumo à vitória pascal sobre o pecado e a morte, fazendo-se peregrino conosco, especialmente nestes tempos difíceis de pandemia. Cristo é a única fonte da paz, e somente Ele pode fazer e refazer a unidade entre os que estão divididos. Outra direção, a que alimenta divisões, com gestos e palavras, escolhas e atitudes, sinaliza ação diabólica.

Para além das desafiadoras diferenças, é preciso investir no diálogo como compromisso de amor e sonhar com uma sociedade ao sabor do Evangelho de Jesus, fazendo das diferenças uma riqueza. Lembra-nos o Papa Francisco, em mensagem aos irmãos e irmãs brasileiros sobre a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021: os fiéis são convidados a escutar o outro e, assim, superar os obstáculos de um mundo que é muitas vezes surdo, com a disposição ao diálogo pelo estabelecimento do paradigma de uma atitude receptiva. Essa atitude, diz o Papa Francisco, é de quem supera o narcisismo e acolhe o outro, sobre os alicerces da cultura do diálogo. Nesta cultura, Jesus se faz presente, conforme ensina o lema da Campanha – “Ele é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”. Eis o horizonte da fidelidade, da ortodoxia e da ortopraxia dos cristãos, na promoção do diálogo como compromisso de amor. Seja aberto o coração ao companheiro de estrada, sem medos e desconfianças, para se encontrar a paz no rosto do único Deus. Todos reconheçam esse motivo de esperança indicado pelo Papa Francisco: a realização, pela quinta vez, da Campanha da Fraternidade pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), contribuição dos cristãos para que todos possam exercitar a fraternidade e o diálogo, compromisso de amor.

Canção Nova

A meditação de Dom Giacomo Morandi, Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, sobre a jornada quaresmal, hoje se detém sobre nossas enfermidades e parte do capítulo 21 do Evangelho de Marcos, no qual Jesus está em Cafarnaum. Aqui nos é oferecido um vislumbre, uma prévia de seu ministério público.

A palavra de Jesus revela o que somos

Dom Morandi adverte que, antes de Jesus, o mal deve reconhecer sua própria impotência e nos convida a compreender a diferença substancial entre o estilo de ensino de Jesus e o utilizado pelos escribas. O acento é colocado sobre sua autoridade (exousia). O significado do termo é ligado à consciência de que na palavra de ensinamento de Jesus é revelado o que ele é, mas também o que nós somos. É significativo – explica o prelado – que sua presença na sinagoga revele o que o homem tem em seu coração e, portanto, na medida em que permitimos que Jesus nos fale, nossa natureza emerge das profundezas. Muitas vezes nós nos escondemos, nos distanciamos da Palavra de Deus, dando justificativas de falta de tempo, que, em vez disso, muitas vezes são um álibi.

Curar do nosso protagonismo

“A realidade é que temos medo que a Palavra chegue aos recantos mais escondidos de nossas vidas que protegemos”, fala claramente Dom Morandi, que explica que a Palavra de Deus é uma espada que chega até o ponto de divisão da alma e ninguém pode se esconder. Somos especialistas na arte do compromisso”, sublinha ainda, “ao invés disso, entendemos que não se pode servir a dois senhores e que a verdadeira doença da qual devemos curar é o nosso protagonismo”. Se entrarmos em relação com Cristo, há um mundo que vai à ruína, é o mundo das paixões desordenadas. O bispo Morandi cita São Máximo, o Confessor, quando fala de ϕιλαυτία (filautia), ou seja, do amor errado, do amor excessivo por si mesmo. Isto gera infelicidade em nós, mas também naqueles que nos encontram e nos veem como estéreis. Jesus só poderá se proclamar filho de Deus sob a cruz. Aqui está a verdadeira inversão de perspectiva.

A autoridade de Jesus

“Ser autoridade é quando sua vida é extremamente transparente, de acordo com o que está no fundo de seu coração”. Então a palavra é fruto dessa intimidade, desse caminhar junto com o Senhor”, explica o prelado, mas que adverte sobre um risco: se não formos autoridade, acabamos sendo autoritários. A autoridade é uma palavra que vem do profundo de nosso ser e é a expressão da comunhão com Deus. Jesus dirá, no Evangelho de Mateus, que daremos conta a Deus de cada palavra inútil, literalmente de cada palavra sem energia, e não a palavra realmente ouvida, meditada e assimilada.

A ligação entre cura e serviço

A cena se desloca para a casa de Simão. A sogra de Pedro estava doente na cama, sendo curada. “Há uma ligação entre cura e serviço”, explica novamente Dom Morandi. A mulher curada, de fato, logo começa a servir: este é o ponto de chegada da experiência da salvação. O prelado descreve o crescendo da narrativa de Marcos em que se chega a uma multidão que traz a Jesus os possuídos. “Por mais que o mal se manifeste, ele é derrotado. Muitas vezes ficamos resignados e acreditamos que é impossível mudar nossas vidas”, afirma o bispo, mencionando todos os propósitos de mudança que muitas vezes não são realizados. A este respeito, o Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé cita um importante autor espiritual que disse que as maiores escravidões são as que não queremos ser libertados. Até Santo Agostinho, nas Confissões, relata que pediu insistentemente o dom da continência, mas acrescentou: mas não de imediato. Nós também somos assim. “Muitas vezes nós não desejamos mudar. Jesus, ao invés disso, faz novas todas as coisas”, conclui o prelado.

Na oração, é a energia da palavra que salva

A jornada de Jesus se conclui com a oração em um lugar deserto. Aqui está centralizada a fonte de seu ministério que é tão eficaz: o relacionamento com o Pai. É na oração que se consolida a autoridade. “Às vezes rezamos nossas orações, mas talvez sejam orações distraídas, que não penetram realmente em nosso coração. Em vez disso, quando cuidamos de nosso relacionamento com o Senhor, então Sua presença cresce e Suas palavras se tornam efetivas e se enraízam em profundidade”. O dom de invocar neste tempo forte de Quaresma – conclui Dom Morandi – é precisamente cultivar uma oração autêntica, retalhando tempos privilegiados para experimentar como o Senhor é bom.