O anúncio do nascimento de Jesus é o momento no qual o “sim” de Maria se torna o “sim” da Páscoa para toda a humanidade. Maria é a serva que encarnou o Verbo e esteve com Ele no sacrifício e no martírio da espada que transpassará a alma, como Simeão lhe predissera no Templo (Lc 2, 35), unindo sua vida ao sacrifício do Cristo. Ela não duvidou em repetir, dia após dia, o “sim” da Anunciação, solícita às necessidades de Isabel, discreta na intervenção das Bodas de Caná, acolhendo os discípulos e todos os redimidos aos pés da Cruz e que até os dias atuais roga por nós, que somos pecadores.
O diálogo descrito pelo Evangelista nos revela os mistérios da Encarnação: que Maria é virgem; concebeu sem intervenção de homem; que o Menino é Filho de Deus e que reinará para sempre. A intensidade do diálogo e a importância do Anúncio trazem em cada palavra um significado surpreendente, que exige profunda reflexão. Para os homens, Maria era “uma virgem prometida em casamento a um homem de nome José, da casa de Davi” (Lc 1,27). Já Maria chama a si mesma de “a serva do Senhor” (Lc 1, 38). Para Deus, acima de tudo, ela é “cheia de graça” (Lc 1,28).
Junto de Isabel, que também recebeu as bênçãos de Deus e deu à luz o profeta João Batista, Maria nos inspira com seu canto de louvor, até os dias atuais conhecido pela palavra latina Magnificat (Lc 1, 47-55). A oração nos lembra a importância da humildade. Deus “dispersou os que têm planos orgulhosos no coração” e “exaltou os humildes”. Nas palavras do Papa Francisco: “a humildade é como um vazio que deixa espaço a Deus”. É uma oração ensinada com devoção de mãe, à qual devemos recorrer sempre que a vida mundana pretender criar em nós um “eu” maior que tudo.
Apenas uma mãe pode compreender a dor de Maria aos pés da cruz. Ali, Jesus dirige as palavras a Sua Mãe e ao discípulo amado, expressando o amor de filho e estabelecendo a maternidade filial de Maria a todos nós, representados pelo discípulo, ao qual, assim como ele, devemos acolher nossa Mãe (Jo 19, 27). São Josemaría Escrivá nos orienta como gostamos de ser recordados do parentesco com personagens da literatura, da política, do exército e da Igreja, nos ensinando o canto: “Ave, Maria, Filha de Deus Pai; Ave, Maria, Mãe de Deus Filho; Ave, Maria, Esposa de Deus Espírito Santo… Mais do que tu, só Deus!”
O anúncio do nascimento de Jesus nos apresenta a nossa Mãe intercessora, que é santa, serva e cheia de graça. Que possamos nos lembrar sempre de repetir as palavras propostas por São Josemaría Escrivá: “Minha Mãe (tua, porque és seu por muitos títulos), que o teu amor me ate à Cruz de teu Filho; que não me falte a fé, a valentia, nem a audácia para cumprir a vontade do nosso Jesus”. Que assim seja!
Referências:
BÍBLIA SAGRADA. Tradução da CNBB, 18 ed. Editora Canção Nova.
ESCRIVÁ DE BALAGUER, Josemaría. Caminho – 9ª ed. – São Paulo: Quadrante. 1999.
FRANCISCO. Angelus. Roma, 15 ago. 2017.
JOÃO PAULO II. Angelus. Roma, 11 mar. 1984.
Canção Nova
As estações da natureza nos ensinam a reconciliar, em nosso coração, o tempo dos mistérios que abraçam nossa fé. Advento é tempo da espera. Ainda não é Natal, mas antecipa-se a alegria dessa festa. Viver cada tempo litúrgico com o coração é um jeito nobre de não adiantar um tempo que ainda não chegou. Na sobriedade que este tempo litúrgico exige, vamos tecendo a colcha das alegrias do Cristo que vem ao nosso encontro.
Esperar é uma alegria antecipada de algo que ainda não chegou. A mulher grávida vive na alma a felicidade antecipada pela vida que, em seu ventre, vai sendo gerada no tempo que lhe cabe. A natureza cumpre o ritual das estações para que cada tempo seja único. Os casais apaixonados esperam o momento do encontro. As famílias organizam a casa no cuidado da espera dos parentes que vão chegar. Esperar é uma metáfora do cotidiano da vida. No contexto do Advento, a espera ganha tonalidades alegres e sóbrias.
Casa mal arrumada não é adequada para acolher os amigos e familiares que vão chegar. Jardim sujo não pode se tornar um canteiro para novas sementes. Esperar é também tempo de cuidado e organização. No tempo da espera, o tempo do cuidado na vida espiritual. Chegando ao fim de mais um ano, muitos corações se encontram totalmente bagunçados. Raivas armazenadas nos potes da prepotência, mágoas guardadas nas gavetas do rancor, amizades sendo consumidas pelo micro-ondas da inveja, tristezas crescendo no jardim da infelicidade, violência sendo gerada no silêncio do coração.
Enquanto as lojas fazem o balanço [de seu patrimônio], somos convidados a fazer o balanço de nossa situação emocional. No balancete da vida, o amor deve sempre ser o saldo positivo que nos impulsiona a sermos mais humanos a cada dia.
Casa mal arrumada não é local adequado para receber quem nos visita. Coração bagunçado dificilmente tem espaço para acolher quem chega. Neste tempo do Advento, a faxina da espera deve remover as teias de aranha dos sentimentos que estacionaram em nossa alma. O pó que asfixia o amor deve ser varrido. Tempo novo exige coração novo. Jesus, com Seu amor sem limites, adentrava o coração de cada pessoa e fazia uma faxina de amor; abria as janelas da vida, que impediam cada pessoa de ver a luz de um novo tempo chegar; devolvia às flores, já secas pelas dores e tristezas, as alegrias da ressurreição; semeava nos sertões sem vida as sementes do amor e da paz.
No Advento da vida, as estações do coração se tornam tempo propício para limpar os quartos da alma à espera do Cristo que vem. Se o jardim do coração estiver sendo cuidado, as sementes da esperança vão germinar no tempo que lhes cabe, e o Amor nascerá nas alegrias da chegada.
Canção Nova
Todos remando juntos no mesmo barco, cujo leme é a dignidade da pessoa e a meta, uma globalização mais humana.
Em síntese, esta é a ideia que o Papa Francisco expressa na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2021, celebrado em 1° de janeiro.
O texto foi publicado esta quinta-feira pela Sala de Imprensa da Santa Sé, cujo título é “A cultura do cuidado como percurso de paz”.
A mensagem não deixa de analisar a marca deste 2020: a pandemia. A crise provocada pelo novo coronavírus “se transformou num fenômeno plurissetorial e global, agravando fortemente outras crises inter-relacionadas como a climática, alimentar, econômica e migratória, e provocando grandes sofrimentos e incômodos”.
O pensamento do Pontífice foi às pessoas que perderam um familiar ou uma pessoa querida ou a quem ficou sem emprego. E um agradecimento especial a quem trabalha em hospitais e centros de saúde, com um renovado apelo às autoridades para que as vacinas sejam acessíveis a todos.
No longo texto, o Papa faz uma “gênese” da cultura do cuidado desde os primórdios da criação, como narram vários episódios bíblicos. No Antigo Testamento, talvez o mais emblemático seja a relação entre Caim e Abel, e a famosa resposta depois do assassinato: Sou eu, porventura, o guardião do meu irmão? “Com certeza”, responde o Papa sem pestanejar.
Já no Novo Testamento, Jesus encarna o ápice da revelação do amor do Pai pela humanidade. “No ponto culminante da sua missão, Jesus sela o seu cuidado por nós, oferecendo-Se na cruz e libertando-nos assim da escravidão do pecado e da morte.”
Esta cultura do cuidado se aprimorou na Igreja nascente com as obras de misericórdia corporal e espiritual, que no decorrer dos séculos ficaram visíveis em hospitais, albergues para os pobres, orfanatos, lares para crianças e abrigos para forasteiros.
O Cristianismo, portanto, ajudou a amadurecer o conceito de pessoa, a ponto que hoje podemos dizer que “toda a pessoa humana é fim em si mesma, e nunca um mero instrumento a ser avaliado apenas pela sua utilidade: foi criada para viver em conjunto na família, na comunidade, na sociedade, onde todos os membros são iguais em dignidade. E desta dignidade derivam os direitos humanos.”
Se o ser humano tem direitos, tem também deveres, como o cuidado dos mais vulneráveis e também da criação.
Para Francisco, todos esses princípios elucidados na mensagem constituem uma bússola para dar um rumo comum ao processo de globalização, “um rumo verdadeiramente humano”.
Aqui o Papa chama em causa um “forte e generalizado protagonismo das mulheres na família e em todas as esferas sociais, políticas e institucionais”.
O Pontífice recorda que esta “bússola dos princípios sociais” vale também para as relações entre as nações. E pede o respeito pelo direito humanitário em conflitos e guerras. “Infelizmente, constata o Santo Padre, muitas regiões e comunidades já não se recordam dos tempos em que viviam em paz e segurança.”
Mais uma vez o Santo Padre lamenta o desperdício de dinheiro com armamentos, quando poderia ser utilizado “para prioridades mais significativas”, relançando a ideia de São Paulo VI de criar um “Fundo mundial” com a utilização dos recursos da corrida armamentista para o desenvolvimento dos países mais pobres.
Outro elemento fundamental para a promoção da cultura do cuidado é a educação. Neste projeto, estão envolvidos famílias, escolas, universidades e os líderes religiosos. Francisco se dirige a quem trabalha neste campo “para que se possa chegar à meta duma educação «mais aberta e inclusiva”, fazendo votos de que neste contexto o Pacto Educativo Global “encontre ampla e variegada adesão”.
Toda a mensagem do Pontífice, enfim, é estruturada para afirmar o princípio de que não há paz sem a cultura do cuidado.
“Neste tempo, em que a barca da humanidade, sacudida pela tempestade da crise, avança com dificuldade à procura dum horizonte mais calmo e sereno, o leme da dignidade da pessoa humana e a «bússola» dos princípios sociais fundamentais podem consentir-nos de navegar com um rumo seguro e comum. Como cristãos, mantemos o olhar fixo na Virgem Maria, Estrela do Mar e Mãe da Esperança.”
“Não cedamos à tentação de nos desinteressarmos dos outros, especialmente dos mais frágeis”, é o apelo final do Papa.
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