No texto anterior vimos dois caminhos que normalmente as pessoas seguem em resposta a um encontro com Deus: o primeiro é ignorar Deus, viver como se Ele não existisse, e é seguido por quem vive mergulhado nos pecados e nas paixões desordenadas; o segundo é o caminho do mundano, aquele que se diz apaixonado por Deus, mas que não tem coragem de abandonar as coisas do mundo. É o sujeito que vai à praia aos fins de semana e crê que isso é suficiente para mostrar seu amor pelo mar. Infelizmente, quase todas as pessoas optam por um desses dois caminhos. Ou estão totalmente perdidas, distantes de Deus, ou contentam-se com uma relação discreta e limitada com o Senhor. Há um terceiro caminho, que todos somos convidados a seguir, mas são muito poucos os que decidem percorrê-lo: a santidade de vida. Muitos interpretam a santidade como uma vida mundana mais intensa. O exemplo da praia e de João, o nosso personagem, ilustra melhor como essa interpretação é equivocada: João é mundano porque vai à praia aos fins de semana e está satisfeito com essa condição. Se ele decidisse se mudar para uma casa à beira-mar e todos os dias desse uma caminhada na areia da praia e molhasse os pés na água do mar, portanto, seria sinal de que ele teria deixado de ser mundano e finalmente passado a buscar uma vida de santidade. Parece um
pensamento bem razoável, e por isso tanta gente crê nisso.

Vida de santidade X Vida mundana

Mas a vida de santidade não é uma vida mundana vivida com mais rigor. Não é porque eu passei a participar da missa diariamente e me engajei numa atividade pastoral na minha paróquia ou porque me tornei missionário e estou sempre falando de Deus que agora estou trilhando a minha via de santidade. Há um enorme abismo separando o
mundano da vida de santidade, uma barreira que desafia toda a lógica do mundo e por isso mesmo exige uma mudança completa no modo de pensar a própria vida e o relacionamento com Deus. O nome desse processo de mudança é conversão, e ele é radical e choca o mundo, porque “o mundo, com a sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina” (1Cor 1,21), como nos ensinou São Paulo. É por isso que “a linguagem da cruz é loucura para os que se perdem” (1Cor 1,18), arremata o Apóstolo dos Gentios. Que loucura é essa? Onde está esse abismo de diferença? Mais uma vez recorro a João para ilustrar: a alma que descobriu o amor de Deus não se contenta em observar o seu Senhor à distância, nem em apenas molhar seus pés na água da vida. Como Pedro, ela exclama: “Senhor, lava-me não só os pés, mas também as mãos e a cabeça” (Jo 13,9). João tem ido à praia todos os dias, mas compreende que seu amor não é pela praia, mas pelo mar, e só o mar lhe interessa. A sua casa é hoje uma distração que o impede de estar o tempo todo no mar. A areia também é distração, assim como seus outros hábitos, como
jogar bola, pescar no rio, ver TV… O que João deseja? O mar e não menos que o mar. João quer morar no mar, e quanto mais distante da terra, melhor. Ele compra um barco e navega para alto-mar. Sua meta é chegar a um ponto em que ele só contemple o mar, em que não veja mais terra firme, não importa se ele olha para a esquerda, para a direita, para a frente ou para trás. Isso é a vida de santidade! Avançar tanto nas águas do amor de Deus que “não dá mais para voltar, o barco está em alto-mar”.

O amor

É um pensamento aparentemente louco, um exagero. Mas não há outra forma de viver quando você descobre o amor de Deus. Os amores do mundo perdem o sabor, a força, o encanto e você só tem olhos para o seu Senhor. Você toma consciência do amor que Deus tem por você e seu coração arde em desejo de corresponder, minimamente que seja, a tão grande amor. É isso que move o coração dos santos: o amor. É exatamente por esse motivo que não basta cumprir obrigações e preceitos para crescer na vida de santidade. Muitas pessoas gastaram a vida no serviço a Deus e em práticas externas de piedade, mas nunca avançaram na vida de santidade porque nunca descobriram esse amor radical que quer tudo.

O jovem rico disse a Jesus que havia cumprido todos os mandamentos desde a sua infância, mas ao invés de um elogio, recebeu uma proposta que quebrou completamente suas expectativas: “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!” (Mt 19,21). Ainda que tivesse cumprido todos os mandamentos desde a infância, o jovem não estava pronto para aquela loucura que Jesus lhe propôs. Vender seus bens, dá-los aos pobres e seguir Jesus? Jamais! Ele foi embora muito triste, porque possuía muitos bens. Esse é o coração do mundano. Um coração que possui muitos bens, muitos apegos e por isso mesmo é incapaz de amar somente a Deus. O jovem rico conhecia somente a primeira das três conversões descritas pelo Pe. Garrigou-Lagrange: seu amor a Deus era baseado no cumprimento das obrigações. Como ele era mundano, não foi capaz de viver a segunda conversão, que é quando a alma busca a generosidade para com Deus, viver o amor que não é obrigado a dar.

Vida de oração

Ninguém é obrigado a vender sua casa, comprar um barco e viver em alto-mar, mas o Sangue de Cristo derramado na cruz é um convite a toda a humanidade: se Deus, criador de todas as coisas, Senhor da vida, enviou seu Filho para sofrer as maiores dores e humilhações por amor a mim, como posso permanecer cego e insensível a esse amor e não buscar, até o fim da minha vida, corresponder a ele? Para atravessar o abismo que separa a vida mundana da vida de santidade entra em cena a vida de oração, que abordarei no próximo texto, e que tem um papel fundamental para a alma que percebe que essa vidinha mundana já não é satisfatória e quer crescer no amor a Deus.

Canção Nova