Não se pode viver o Evangelho fazendo conchavos; do contrário, se acaba com o espírito do mundo, que visa o domínio dos outros e é “inimigo de Deus”.
A reflexão do Papa na homilia desta manhã na Casa Santa Marta (25/02) partiu do trecho do Evangelho do dia (Mc 9,30-37), no qual Jesus diz aos Doze que se alguém quiser ser o primeiro, deve ser o último e servidor de todos. Jesus sabia que, ao atravessar a Galiléia, os discípulos haviam discutido entre si sobre quem seria o maior “por ambição”. Esta briga dizendo “eu tenho que caminhar à frente, eu tenho que avançar”, explicou o Papa, é o espírito do mundo. Mas também a Primeira Leitura de hoje (Tg 4, 1-10) ressalta este aspecto, quando o apóstolo Tiago recorda que o amor pelo mundo é inimigo de Deus.
Esta ânsia de mundanidade, esta ânsia de ser mais importante do que os outros e dizer: “Não! Eu mereço isto, não aquela pessoa”. Isso é mundanidade, este é o espírito do mundo e quem respira este espírito, respira a inimizade de Deus. Jesus, em outro trecho, diz aos discípulos: “Ou estão comigo ou contra mim”. Não há conchavos no Evangelho. E quando alguém quer viver o Evangelho fazendo conchavos, no final se encontra com o espírito mundano, que sempre busca pactos para galgar mais, para dominar, para ser maior.
Tantas guerras e tantas brigas acontecem por causa de desejos mundanos, de paixões, afirma o Papa, referindo-se ainda às palavras de São Tiago. É verdade, “hoje todo o mundo é semeado por guerras. Mas e as guerras entre nós? Como aquela que havia entre os apóstolos: quem é o mais importante?”, questionou Francisco:
Olhem a carreira que eu fiz: agora não posso ir para trás!”. Este é o espírito do mundo e isso não é cristão. “Não! É a minha vez! Eu tenho que ganhar mais para ter mais dinheiro e mais poder”. Este é o espírito do mundo. E depois a malvadeza das intrigas: a fofoca. De onde vem? Da inveja. O maior invejoso é o diabo, a gente sabe, a Bíblia o diz. Da inveja. Por inveja do diabo o mal entra no mundo. A inveja é um caruncho que leva a destruir, a falar mal, a aniquilar o outro.
No diálogo dos discípulos, havia todas essas paixões e, por isso, Jesus os repreende e os exorta a fazerem-se servidores de todos e a tomar o último lugar:
Quem é o mais importante na Igreja? O Papa, os bispos, os monsenhores, os cardeais, os párocos das paróquias mais belas, os presidentes das associações de leigos? Não! O maior na Igreja é quem se faz servidor de todos, quem serve a todos, não quem tem mais títulos. E para explicar isso, pegou uma criança, a colocou no meio deles e, abraçando-a com ternura – porque Jesus falava assim, tinha tanta ternura – disse a eles: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo”, isto é, quem acolhe o mais humilde, o mais servidor. Este é o caminho. O caminho contra o espírito do mundo é um só: a humildade. Servir os outros, escolher o último lugar, não galgar.
Portanto, não se deve “negociar com o espírito do mundo”, não é preciso dizer: “Tenho direito àquele lugar, porque olhem a carreira que eu fiz”. A mundanidade, com efeito, “é inimigo de Deus”. Ao invés, é preciso ouvir esta palavra “tão sábia” e encorajadora que Jesus diz no Evangelho: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!’”.
Radio Vaticano
Um diálogo coração a coração, de amigo a amigo com Jesus: é o que propõe o Papa Francisco na sua mensagem para a Quaresma 2020.
O título escolhido foi inspirado na 2ª carta de São Paulo aos Coríntios: “Em nome de Cristo, suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus” (2 Cor 5, 20).
Neste tempo quaresmal, o Pontífice estende a todos os cristãos o que escreveu aos jovens na Exortação apostólica Christus vivit: fixar os braços abertos de Cristo crucificado e deixar-se salvar sempre de novo. “A Páscoa de Jesus não é um acontecimento do passado: pela força do Espírito Santo é sempre atual e permite-nos contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em tantas pessoas que sofrem.”
Francisco insiste numa contemplação mais profunda do Mistério pascal, recordando que a experiência da misericórdia só é possível “face a face” com o Senhor crucificado e ressuscitado.
De fato, prossegue o Papa, o cristão reza ciente da sua indignidade de ser amado. A oração poderá assumir formas diferentes, mas o que conta verdadeiramente aos olhos de Deus é que ela escave dentro de cada um de nós, chegando a romper a dureza do nosso coração, para o converter cada vez mais a Ele e à sua vontade.
Quanto mais nos deixarmos envolver pela sua Palavra, tanto mais conseguiremos experimentar a sua misericórdia gratuita por nós. O convite do Pontífice, portanto, é não deixar passar em vão este tempo de graça, na presunçosa ilusão de sermos nós o dono dos tempos e modos da nossa conversão a Ele.
Esta nova oportunidade, prossegue Francisco, deve suscitar em nós um sentido de gratidão e sacudir-nos do torpor em que nos encontramos, às vezes estimulados por um “uso pervertido” dos meios de comunicação
Colocar o Mistério pascal no centro da vida, acrescenta o Papa, significa sentir compaixão pelas chagas de Cristo crucificado presentes nas inúmeras “vítimas inocentes das guerras, das prepotências contra a vida desde a do nascituro até à do idoso, das variadas formas de violência, dos desastres ambientais, da iníqua distribuição dos bens da terra, do tráfico de seres humanos em todas as suas formas e da sede desenfreada de lucro, que é uma forma de idolatria”.
Para reverter este cenário, Francisco chama em causa a partilha na caridade e uma nova maneira de gerir a economia, mais justa e inclusiva, recordando a convocação para esta Quaresma de jovens economistas em Assis, de 26 a 28 de março. O magistério da Igreja nos lembra que a política é uma forma eminente de caridade.
O Papa então conclui:
“Invoco a intercessão de Maria Santíssima sobre a próxima Quaresma, para que acolhamos o apelo a deixar-nos reconciliar com Deus, fixemos o olhar do coração no Mistério pascal e nos convertamos a um diálogo aberto e sincero com Deus. Assim, poderemos tornar-nos aquilo que Cristo diz dos seus discípulos: sal da terra e luz do mundo.”