Uma grande Vigília de Pentecostes neste sábado, reuniu milhares de fiéis na Praça São Pedro, especialmente romanos. No final da tarde, o Papa Francisco presidiu a Santa Missa da Vigília de Pentecostes. Eis sua homilia na íntegra (sem os acréscimos feitos de improviso):
“Também nesta tarde, véspera do último dia do Tempo da Páscoa, festa de Pentecostes, Jesus está em meio a nós e proclama em voz alta: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva fluirão do seu interior”.
É “o rio da água viva” do Espírito Santo que brota do ventre de Jesus, do seu lado traspassado pela lança (cf. Jo 19, 36), e que lava e fecunda a Igreja, mística esposa representada por Maria, nova Eva, aos pés da Cruz.
O Espírito Santo brota do ventre de misericórdia de Jesus Ressuscitado, preenche o nosso ventre de uma “boa medida, cheia, recalcada e transbordante” (cf. Lc 6, 38) e transforma-nos em Igreja-ventre de misericórdia, isto é, em uma “mãe de coração aberto” para todos!
Como gostaria que as pessoas que moram em Roma reconhecessem a Igreja, nos reconhecessem por este “a mais” de misericórdia – nõa por outras coisas – por este “a mais” de humanidade e de ternura, do qual existe tanta necessidade! Se sentiriam como em casa, a “casa materna”, onde se é sempre bem-vindos e onde se pode sempre retornar. Se sentiriam sempre acolhidas, ouvidas, bem interpretadas, ajudadas a dar um passo em frente na direção do reino de Deus … Como uma mãe sabe fazer, mesmo com seus filhos já crescidos.
Este pensamento à maternidade da Igreja me faz recordar que, há 75 anos, em 11 de junho de 1944, o Papa Pio XII realizou um ato especial de agradecimento e súplica à Virgem, pela proteção da cidade de Roma. Ele fez isso na Igreja de Santo Inácio, para onde havia sido levada a venerada imagem de Nossa Senhora do Divino Amor.
O Amor Divino é o Espírito Santo, que brota do Coração de Cristo. É ele a “rocha espiritual” que acompanha o povo de Deus no deserto, para que sendo alcançado pela água viva, possa estar saciado ao longo do caminho. Na sarça que não se consome, imagem da Virgem Maria e da Mãe, está o Cristo ressuscitado que nos fala, nos comunica o fogo do Espírito Santo, nos convida a descer em meio ao povo para ouvir o grito, nos envia para abrir a passagem a caminhos de liberdade que levam a terras prometidas por Deus.
Sabemos disso: há também hoje, como em todos os tempos, aqueles que tentam construir “uma cidade e uma torre que atinja o céu”. São os projetos humanos, também os nossos projetos, feitos a serviço de um “eu” cada vez maior, em direção a um céu onde não há mais espaço para Deus.
Deus nos permite fazer isso por um tempo, para que possamos experimentar até que ponto de mal e de tristeza somos capazes de chegar sem Ele … Mas o Espírito de Cristo, Senhor da história, não vê a hora de jogar tudo para o ar, para nos fazer recomeçar!
Somos sempre um pouco “limitados” de olhar e de coração; deixados a nós mesmos, acabamos perdendo o horizonte; chegamos a nos convencer de ter entendido tudo, de ter levado em consideração todas as variáveis, de ter previsto o que acontecerá e como acontecerá … São todas construções nossas que se iludem ao tocar o céu. Em vez disso, o Espírito irrompe no mundo do alto, do ventre de Deus, lá onde o Filho foi gerado e faz novas todas as coisas.
O que estamos celebrando hoje, todos juntos, nesta nossa cidade de Roma? Celebramos o primado do Espírito, que nos faz calar perante a imprevisibilidade do plano de Deus, e depois exaltar de alegria: “Então era isso que Deus tinha no ventre para nós!”: este caminho da Igreja, essa passagem, este Êxodo, esta chegada à terra prometida, a cidade-Jerusalém das portas sempre abertas para todos, onde as várias línguas do homem se compõe na harmonia do Espírito,porque o Espírito é a harmonia.
E se temos presentes as dores do parto, compreendemos que o nosso gemido, o do povo que habita nesta cidade e o gemido de toda a criação, não são outra coisa que o gemido do próprio Espírito: é o parto do mundo novo. Deus é o Pai e a mãe, Deus é a parteira, Deus é o gemido, Deus é o Filho gerado no mundo e nós, a Igreja, estamos a serviço deste parto. Não a serviço de nós mesmos, não a serviço de nossas ambições, de tantos sonhos de poder, não: a serviço disto que Deus faz, destas maravilhas que Deus faz.
“Se o orgulho e a suposta superioridade moral não nos entorpecem o ouvido, perceberemos que, sob o grito de tantas pessoas, não há outra coisa senão um gemido autêntico do Espírito Santo. É o Espírito que impele mais uma vez a não contentar-se, a buscar colocar-se em caminho; é o Espírito que nos salvará de toda “reorganização” diocesana. O perigo é estes desejo de confundir as novidades do Espírito com um método de “reorganizar tudo”. Não, isto não é o Espírito de Deus. O Espírito de Deus dá uma mexida em tudo, e nos faz começar não do princípio, mas por um novo caminho.
Deixemo-nos então tomar pela mão pelo Espírito e levar em meio ao coração da cidade para ouvir seu grito, seu gemido. A Moisés Deus disse que este clamor escondido do Povo chegou até Ele: Ele o escutou, viu a opressão e os sofrimentos … E decidiu intervir enviando Moisés para suscitar e alimentar o sonho de liberdade dos israelitas e revelar a eles que este sonho é a sua própria vontade: fazer de Israel um povo livre, o seu Povo, ligado a ele por uma aliança de amor, chamado a testemunhar a fidelidade do Senhor a todos os povos.
Mas para que Moisés possa realizar sua missão, Deus quer que ele “desça” com Ele no meio dos israelitas. O coração de Moisés deve tornar-se como o de Deus, atento e sensível aos sofrimentos e aos sonhos dos homens, àqueles que clamam em segredo quando elevam as mãos para o Céu, porque já não têm quaisquer posses na terra. É o gemido do Espírito e Moisés deve escutar, não com os ouvidos, mas com o coração. Hoje pede a nós, cristãos, de aprender a escutar com o coração. E o Mestre desta escuta é o Espírito. Abrir o coração para que Ele nos ensine a escutar com o coração. Abri-lo.
E para nos colocar na escuta do clamor da cidade de Roma, também nós temos necessidade que o Senhor nos tome pela mão e nos faça “descer”, descer de nossas posições, descer em meio aos irmãos que habitam em nossa cidade, para ouvir sua necessidade de salvação, o grito que chega até Ele e que geralmente nós e não ouvimos. Não se trata de explicar coisas intelectuais, ideológicas. Faz-me chorar quando vejo uma Igreja que crê ser fiel ao Senhor, de atualizar-se, quando procura caminhos puramente funcionais, caminhos que não vêm do Espírito de Deus. Esta Igreja não sabe descer e se não sabe descer não é o espírito que comanda. Trata-se de abrir olhos e ouvidos, mas sobretudo tudo o coração, ouvir com o coração. Então nos colocaremos realmente em caminho. Então, sentiremos dentro de nós o fogo de Pentecostes, que nos leva a gritar aos homens e mulheres desta cidade que a escravidão acabou e que é Cristo o caminho que leva à cidade do Céu. Amém!”
Radio Vaticano