Na terça-feira, 23 de outubro, na última semana da Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos, o Papa Francisco encontrou jovens e idosos de diferentes países no Salão principal do Instituto Augustinianum, ao lado do Vaticano.

Contra a cultura do descarte, contra o abismo entre as gerações que aos olhos do mundo parece irrecuperável, a resposta é o diálogo entre jovens e idosos. A partir desta inspiração de Papa Francisco, nasceu o projeto Sharing The Wisdom Of Time/A Sabedoria do Tempo.

O encontro teve início com a projeção do vídeo “Faces of Wisdom” (“Rostos da Sabedoria”) e a apresentação dos cantos do Coral da Diocese de Roma, dirigido pelo Maestro Marco Frisina.

Tomaram a palavra a seguir Dom Ulloa Mendieta, arcebispo do Panamá e Presidente da Comissão organizadora da próxima Jornada Mundial da Juventude 2019. “As relações intergeracionais – disse durante a saudação ao Pontífice – significa que as comunidades possuem uma memória coletiva”.

“Cada geração retoma os ensinamentos de seus predecessores”, explicou o prelado, “deixando uma herança aos seus sucessores. Deste modo se forma um quadro de referências para consolidar com firmeza uma sociedade no mundo de hoje”.

O arcebispo do Panamá observou também que a ascensão do individualismo não colocou em discussão “a existência de grupos familiares” ou “das relaçãos intergeracionais”, pois ainda hoje estas são as “locomotivas da solidariedade”.

Dom Mendieta recordou também que são as relações intergeracionais que garantem a “coesão social”. Portanto, a Igreja é chamada a favorecer o encontro entre dois importantes períodos da vida: juventude e velhice.

Padre Spadaro: “Se os idosos não sonham, os jovens não podem ver o futuro”

Em seguida tomou a palavra o diretor da revista dos jesuítas “La Civiltà Cattolica”, Padre Antonio Spadaro, que contou que o projeto Sharing The Wisdom Of Time/A Sabedoria do Tempo, nasceu de uma ideia do Papa Francisco: “O senhor – disse dirigindo-se ao Papa – entendeu que se os idosos não sonham, os jovens não podem ver o futuro”.

O livro reúne 250 entrevistas realizadas em mais de trinta países, graças ao projeto “Compartilhando a Sabedoria do Tempo”, realizado por um grupo de editoras coordenadas pela estadunidense Loyola Press, com a ajuda da organização sem fins lucrativos Unbound e do Serviço dos Jesuíta para os Refugiados.

“É uma narração profunda”, explicou o diretor da Civiltà Cattolica referindo-se ao livro. “Os velhos falam aos jovens sobre os grandes temas da existência, sobre a importância do trabalho, a capacidade de lutar e de não se render diante das dificuldades, pensar no amor e na esperança”.

Servir e arriscar

Com a chegada do Papa Francisco, começaram a ser feita a ele perguntas de um grupo de jovens e idosos provenientes da Colômbia, Itália, Malta e Estados Unidos.

A primeira pergunta foi feita pela senhora Federica Ancona, ex-professora, que perguntou ao Papa Francisco como é possível criar com os jovens verdadeiras e autênticas relações, quando tudo ao redor parece falso.

A resposta do Papa pode ser resumida no gesto da sua mão estendida e aberta: para ser feliz “no mercado da competição e da aparência”, explicou o Pontífice, é necessário “abrir-se ao caminho”. O Papa recordou que a competição fica parada, se não se põe em jogo, mas faz cálculos. Enquanto que no amadurecimento da personalidade nos “sujamos as mãos mas estamos com os braços abertos para abraçar”. Estas foram as suas palavras:

“ Contra esta cultura que destrói os sentimentos, o serviço é servir. Assim você poderá ver que pessoas mais amadurecidas, os jovens mais amadurecidos – amadurecidos no sentido de desenvolvidos, seguros de si mesmos, sorridentes, com senso de humor – são aqueles que vão adiante, a caminho, com o serviço. E outra coisa: que arriscam. Se você não arrisca na sua vida, nunca, nunca estará amadurecido, jamais poderá fazer uma previsão, apenas a ilusão de receber, para se sentir seguro ”

Transmitir a fé com o testemunho

A transmissão da fé aos filhos e netos por parte dos avós e dos pais foi a reflexão proposta pelo casal Tony e Grace Naudi, casados há 43 anos e voluntários em Malta.

A eles o Papa aconselhou que transmitissem a fé na “linguagem familiar” e recordou que os avós nos momentos mais difíceis da história do século passado, durante as ditaduras e genocídios, batizaram os netos e os ensinaram a rezar.

Enfim Francisco citou as palavras de Bento XVI: “a fé não cresce por proselitismo, mas por atração e testemunho”. Enfim, aconselhou a oferecer aos jovens o testemunho da ternura:

“ Aos pais e avós que têm essa experiência, aconselho muito amor, muita ternura, compreensão, testemunho e paciência. E orações e mais orações. Pensem em Santa Mônica: venceu com as lágrimas. Era muito sábia. Mas nunca cedam a discussões: nunca. Porque isso é uma armadilha: os filhos querem colocar os pais nas discussões: não. Digam; ‘não sei responder isso, procure em outro lugar, mas procure, procure…’. Procurar sempre evitar discussões diretas, porque isso afasta. E façam os testemunhos na linguagem familiar, ou seja, com carinho, pois isso eles entendem ”

As barreiras não conhecem os horizontes, os sonhos, sim!

Como construir um futuro à altura dos sonhos foi a pergunta proposta por Rosemary Lane, jovem americana.

“Começa a sonhar”. “Descaradamente e sem sentir nenhuma vergonha”, foi a resposta do Santo Padre que continuou:

Quando você tem um sonho, algo que não sabe como explicar, mas o guarda e o defende dentro de si para que a cotidianidade não o leve embora; deve abrir-se aos horizontes, pois estes são contra as barreiras: as barreiras não conhecem os horizontes, os sonhos, sim!

Em particular, Papa Francisco convidou os jovens a tomar para si os sonhos dos idosos:

“ Em seus sonhos, os idosos dirão a você o que fizeram na vida, falarão de seus erros, suas derrotas, seus sucessos, dirão isso. Tome tudo isso. Pegue para você toda a experiência de suas vidas e as leve consigo indo adiante – este é o ponto de partida. “O que o senhor diria aos jovens que querem ter confiança na vida?”: assuma os sonhos dos idosos e leve-os adiante. Isso fará você amadurecer. ”

Receber e integrar o que for possível

A acolhida dos refugiados e as divisões foram o centro da pergunta de Fiorella Bacherini, de 83 anos.

Partindo desta pergunta, o Papa citou fatos da 1ª Guerra Mundial contados pelo seu avô e disse que é importante que os jovens conheçam o resultado das duas guerras do século passado. “É um tesouro, negativo, mas um tesouro, que serve para criar consciências”.

O Pontífice evidenciou também as perigosas consequências do ódio que é semeado não apenas entre os povos mas também nas pequenas comunidades e nas famílias. E em seguida falou sobre a atitude a ser tomada diante do atual desafio dos fluxos migratórios:

“ Um governo deve ter critérios – estes são critérios, não? – o coração aberto para receber, estruturas boas para criar o caminho da integração e também a prudência de dizer: até este ponto eu posso, mais do que isso não. E para isso é importante que toda a Europa encontre um acordo sobre este problema. Senão o peso mais forte é carregado pela Itália, Grécia, Espanha, e também Chipre ”

Ao falar sobre o Mar Mediterrâneo como um verdadeiro e próprio “cemitério”, Papa Francisco declarou o seu sofrimento e a sua oração.

Raízes e identidade

Depois Francisco falou sobre as histórias dos idosos presentes no livro para responder à pergunta de Yenifer Morales, colombiana de 20 anos. O Papa falou das conversas que tinha com suas duas avós e das amizades com alguns idosos que moravam no seu bairro. Com estas experiências entendeu o sentido da história, da pertença e o motivo pelo qual encontramos nossas raízes nos idosos. Lamentou pelos jovens que vivem na sociedade “líquida” separados das raízes que dão este forte sentimento de pertença.

O dom das lágrimas

Concluindo, tomou a palavra o diretor americano Martin Scorsese, cujos filmes são considerados pedras angulares da história do cinema. Falando da própria experiência do mal, ocorrida quando era jovem pelas ruas de Nova York, o diretor perguntou como a fé de um jovem pode sobreviver. Palavras que o Papa acolheu para denunciar a tortura, terrível violação da dignidade humana. Diante destas violências, o Pontífice indicou o dom das lágrimas para abrir o coração. Para Francisco, empatia, proximidade e ternura são as virtudes capazes que transformar “os conflitos mais difíceis”.

 

Radio Vaticano

“Há uma expressão que não me agrada: “Voltar à casa do Pai”, como se a nossa fosse uma viagem de ida e volta. É bonito dizer: “Estou indo para aquele encontro”. É o que sublinha o Papa Francisco no prefácio do livro “A sabedoria do tempo”, organizado pelo diretor da revista dos jesuítas “La Civiltà Cattolica” Padre Antonio Spadaro, apresentado nesta terça-feira, 23, no Instituto Augustinianum em Roma, no evento intergeracional que teve a participação do diretor de cinema Martin Scorcese.

O livro reúne 250 entrevistas realizadas em mais de trinta países, graças ao projeto “Compartilhando a Sabedoria do Tempo” realizado por um grupo de editoras coordenadas pela estadunidense Loyola Press, com a ajuda da organização sem fins lucrativos Unbound e do Serviço dos Jesuíta para os Refugiados.

É uma história coral composta de palavras e imagens, nas quais se encontram histórias e rostos de idosos dos cinco continentes: o Papa comenta, em diálogo com o padre Spadaro, as aulas de desenho, momentos pastorais, e compartilha momentos de sua própria biografia pessoal.

“A nossa sociedade – escreve o Papa – privou os avós de sua voz. Tiramos o espaço e a oportunidade deles contarem a nós a sua experiência, as suas histórias, a sua vida. Os deixamos de lado e perdemos o bem de sua sabedoria. Quisemos remover o nosso medo da fraqueza e da vulnerabilidade, mas assim fazendo, fizemos aumentar nos idosos a angústia de serem mal apoiados e abandonados”.

Ao invés disto, “devemos despertar o sentido civil da gratidão, do apreço, da hospitalidade, capaz de fazer com que o idoso se sinta parte viva da comunidade. Colocando de lado os avós, descartamos a possibilidade de entrar em contato com o segredo que permitiu a ele seguir em frente, fazer caminho na aventura da vida”.

E assim fazendo – observou Francisco – “nos faltam modelos, testemunhos vividos. Ficamos perdidos. Nos privamos do testemunho de pessoas que não somente perseveraram no tempo, mas que conservam no coração a gratidão por tudo aquilo que viveram”.

E por outro lado, “como é feio o cinismo de um idoso que perdeu o sentido de seu testemunho, que despreza os jovens, que se lamenta sempre. Deste modo, a sua sabedoria de vida não é mais transmitida, torna-se estéril nostalgia”.

“Como é  bonito, pelo contrário – observa o Papa – o encorajamento que o idoso consegue comunicar a uma jovem ou a um jovem em busca do sentido da vida! Esta é a missão dos avós. Uma verdadeira vocação”.

“Os idosos são a reserva sapiencial da nossa sociedade. A atenção pelos anciãos é aquilo que distingue uma civilização”, acrescenta.

O Papa pede aos idosos – que define os “memoriosos da história”, para “formarem um coro”, “um coro permanente de um grande santuário espiritual, onde a oração de súplica e o canto de louvor apoiem a comunidade que trabalha e luta no “campo” da vida”.

“Mas peço a eles também para agir! De terem a coragem de contrastar de todas as formas a “cultura do descarte” que é imposta a eles em nível mundial”.

“E o que peço aos jovens?”. “Sinto pena de um jovem – disse – cujos sonhos se apagam na burocracia. Como o jovem rico do Evangelho. Vai embora triste, vazio. Peço portanto escuta, proximidade aos idosos; peço para não aposentar a existência deles na “quietude burocrática” na qual guardam tantas propostas privadas de esperança e de heroísmo. Peço um olhar às estrelas, aquele espírito saudável de utopia que leva a recolher energia por um mundo melhor”.

“Eis o que eu gostaria: um mundo que viva um novo abraço entre os jovens e os idosos”, conclui o Santo Padre.

Radio Vaticano